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Prouni completa 20 anos com sucesso em gerar mobilidade social

  • Data: 24/Out/2025

Pessoas de baixa renda formadas no Ensino Médio em escolas públicas ou em particulares com bolsa podem se candidatar ao programa; muitas, no entanto, não sabem disso

Especialistas e autoridades em educação consideram o Programa Universidade para Todos (Prouni), que completou 20 anos em 2025, como um sucesso. A iniciativa, que concede bolsas integrais e parciais para pessoas de baixa renda cursarem graduações em instituições privadas, ajuda a promover o que pesquisadores chamam de “mobilidade social”.

Apesar do impacto positivo relatado por ex-bolsistas que, hoje, têm profissões consolidadas em áreas como medicina, psicologia, pedagogia e direito, o Prouni vive um crescimento no percentual de bolsas não preenchidas. Se em 2005 menos de 15% das vagas ficavam ociosas, esse índice chegou a 68% em 2024, segundo levantamento do Semesp, entidade que representa mantenedoras de Ensino Superior no Brasil, com base em dados do Ministério da Educação (MEC).

— Talvez esse seja o ponto crucial hoje em dia. Houve um crescimento do número de vagas ofertadas no Prouni ao longo desses 20 anos. No entanto, o preenchimento não cresceu da mesma forma — destaca Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp.

A quantidade de bolsas ofertadas quase quintuplicou: passou de 112 mil, em 2005, para 535 mil, em 2024. O preenchimento das vagas, entretanto, tem tido tendência de queda. Após alcançar um pico de 252 mil novos bolsistas em 2015, o número foi caindo e, em 2024, foi de cerca de 171 mil.

A ociosidade das vagas se deve, em parte, ao perfil das novas bolsas. O maior crescimento foi em graduações no formato de ensino a distância (EAD), que não atrai tanto o interesse dos jovens. Esse é o público que costuma fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cuja nota é utilizada para a seleção no Prouni.

Outro ponto relacionado ao perfil das bolsas é o fato de que mais da metade delas oferece desconto de 50% nas mensalidades, e não de 100%.

— Vamos supor que o aluno tenha que pagar uma mensalidade complementar de R$ 1,5 mil. O curso custa R$ 3 mil, ele ganha uma bolsa de R$ 1,5 mil e os outros R$ 1,5 mil ele tem que pagar. Não são todos os alunos que têm condições de pagar esse valor — observa Oswaldo Dalpiaz, presidente do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS).

Desconhecimento

Entre os relatos para Zero Hora de prounistas que já se formaram, muitos afirmaram que souberam tarde da existência do programa. Raramente a informação chegou a partir da escola, o que, para o pesquisador sobre Educação Superior Julio Bertolin, é um fenômeno que “vai além do Prouni”.

— Pessoas de nível socioeconômico mais baixo têm uma espécie de crença de que a Educação Superior não é para elas e acabam não aproveitando as oportunidades, muitas vezes por falta de informação. Há estudos de organismos internacionais que mostram que políticas de informação para estudantes de nível socioeconômico mais baixo, sobre as possibilidades de bolsas e financiamentos, melhoram muito o ingresso de estudantes desse perfil — avalia Bertolin, que é professor sênior da Universidade de Passo Fundo (UPF).

O pesquisador, que também atua como consultor de organismos internacionais e docente do doutorado em Educação da Universidade do Planalto Catarinense, entende que seria importante que o governo criasse uma política de informação nas escolas públicas sobre essas oportunidades.

Capelato concorda: diz que, ainda que as próprias instituições façam campanhas para atrair estudantes para essas vagas, o governo federal poderia investir em ações de divulgação em mídias como televisão e internet, visando uma “revalorização do Prouni”. Já o professor da UPF sinaliza para a importância de iniciativas como o Pé-de-Meia, programa do governo federal que paga bolsas a estudantes de Ensino Médio de baixa renda e dá incentivos para que façam o Enem.

Secretário do Ensino Superior do MEC, Marcus Vinícius David reconhece que o processo de comunicação e atração dos alunos que concluem a Educação Básica para o ingresso na universidade é um desafio, e também aponta o Pé-de-Meia com um esforço visando a permanência deles nas salas de aula.

— No Enem deste ano, o aluno do Pé-de-Meia é automaticamente inscrito no Enem, porque para que ele possa ter acesso a alguns programas ele precisa fazer o Enem. Tem sido um desafio ter um bom sistema de comunicação que crie essa expectativa, esse sonho, essa possibilidade no aluno do Ensino Médio de ingressar na Educação Superior — afirma David.

Transformação de vidas

Segundo Bertolin, como no Brasil ter um diploma de graduação significa ter acesso a renda e empregabilidade maiores, o Prouni gerou e segue gerando mobilidade social:

— O Prouni tem transformado vidas. Ele tem um perfil de bolsistas de baixa renda e, inclusive, de estudantes que vêm de situações de vulnerabilidade não só financeiras. A maioria dos bolsistas é de mulheres e de negros. Nas universidades comunitárias do Rio Grande do Sul, um estudo apontou que um bolsista do Prouni tem 2,37 vezes mais chances de ser da primeira geração da sua família a ter um diploma de Educação Superior.

O secretário do MEC pontua que o Prouni surgiu dentro de um conjunto de esforços para a ampliação do acesso à Educação Superior.

— Houve um esforço de expansão da oferta da educação pública, através da expansão da rede pública de Educação Superior, mas havia uma consciência de que isso não seria suficiente. Nós precisaríamos ampliar a oferta usando também o sistema privado. E a forma de fazermos a ampliação da oferta no sistema privado foi através da oferta de bolsas — descreve David.

Desde a criação do Prouni, 3,6 milhões de bolsas foram concedidas no Brasil e 1,5 milhão de estudantes concluíram a graduação. No RS, 252 mil pessoas ingressaram no Ensino Superior por meio do programa e 123 mil se formaram. Conforme Bertolin, o gasto para o poder público com um prounista em uma instituição privada sem fins lucrativos é de R$ 8 mil por ano, contra uma média de R$ 36 mil em uma universidade federal.

— Alguns poderiam se questionar sobre a qualidade do ensino oferecido, mas há estudos que mostram que o desempenho dos bolsistas do Prouni no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, realizado no início e no final do curso com turmas de graduação) é semelhante ou até melhor do que o de cursos nas federais — analisa o professor.

taxa de abandono dos cursos é inferior entre os bolsistas do Prouni. Entre os alunos sem bolsa de instituições privadas, 63% não concluem a graduação. Nas instituições públicas, esse índice é de 53%. Já com relação a prounistas, o percentual cai para 41%.

Na opinião de David, o debate sobre o curso do sistema público e do sistema privado “exige muito cuidado”, uma vez que esforços de redução nos custos da educação pública, muitas vezes, significam um “comprometimento de qualidade”. Ainda assim, considera pertinente se pensar nesses gastos, uma vez que a capacidade de oferta de Educação Superior “é limitada”.

— Daí a importância de programas como o Prouni e o Fies (de financiamento estudantil). Em 2024 nós tivemos um recorde na oferta de bolsas no Prouni, o que sem dúvida é mais fácil hoje, nos modelos fiscais do Brasil, já que o Prouni é um benefício tributário e não precisamos aportar diretamente recursos orçamentários — avalia o secretário do MEC.

Universidades comunitárias

O Prouni tem desempenhado papel decisivo na democratização do Ensino Superior, avalia Rafael Frederico Henn, reitor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung):

— O principal impacto do Prouni foi na democratização do acesso ao Ensino Superior para estudantes de baixa renda, o que está alinhado com o papel social das universidades comunitárias.

Em 2024, 2.751 pessoas ingressaram em universidades comunitárias do RS pelo Prouni, sendo 2.519 com bolsa integral. No mesmo ano, 1.710 estudantes concluíram cursos nessas instituições, 1.443 com bolsa integral.

Na Unisc, que integra o Comung, 5.394 estudantes ingressaram pelo programa ao longo desses 20 anos, e 2.852 já se formaram. Segundo o reitor, o perfil dos bolsistas é formado majoritariamente por jovens recém-saídos do Ensino Médio, que ainda vivem com a família.

— Nos últimos anos, também temos visto chefes de família ingressarem, muitas vezes motivados pelos próprios filhos — relata.

Entre as mudanças positivas ao longo das duas décadas do programa, Henn destaca a ampliação do acesso com políticas de cotas e a possibilidade de combinar bolsas parciais com o Fies. Ele defende, contudo, ajustes para melhorar a permanência dos alunos:

— É necessário rever critérios de troca de curso e ampliar o número de edições do Enem aceitas, para que mais pessoas possam ingressar.

O presidente do Comung aponta ainda que as principais causas de evasão estão relacionadas ao custo do transporte e à dificuldade de conciliar trabalho e estudo. Para atrair novos bolsistas, as universidades comunitárias têm intensificado ações em escolas da região. Na Unisc, por exemplo, o projeto Aquece Enem promove a visitas a escolas, ajuda a preparar alunos para o exame e oferece bolsas parciais aos participantes.

Fonte: Gaúcha ZH

Foto: BillionPhotos.com / stock.adobe.com

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