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Vidas dedicadas a ensinar: conheça histórias de duas gerações de professoras

  • Data: 15/Out/2025

Zero Hora reuniu depoimentos de duas mulheres que compartilham o amor pela profissão e o desejo de transformar trajetórias

Este 15 de outubro marca uma data simbólica – o Dia do Professor. Além de ser um feriado escolar nacional, trata-se de um momento para celebrar e valorizar a carreira, na visão de professoras ouvidas pela reportagem. Zero Hora reuniu depoimentos de duas mulheres de Porto Alegre com histórias distintas, mas que estão entrelaçadas pela educação e pelo desejo de transformar a vida dos estudantes

Mônica Bertoni dos Santos, 87 anos, tem quase 70 anos de docência, com uma ampla trajetória dedicada à educação. Ela concluiu o magistério em 1938 no Instituto de Educação General Flores da Cunha, em Porto Alegre. 

Depois, construiu uma longa jornada nas áreas de alfabetização, elaboração de currículos e metodologia de ensino, principalmente de matemática. Ela lecionou na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) por 28 anos, e atuou no Colégio João XXIII, na Capital, por 22 anos. Hoje, é coordenadora da área de Matemática do Serviço Social da Indústria (Sesi-RS) e trabalha no Instituto Sesi de Formação de Professores. 

Já a estudante Bárbara de Almeida Severo, 22 anos, está no último semestre do curso de licenciatura em Letras (Língua Portuguesa) na PUCRS. Ela ingressou na graduação no início de 2022. Prestes a se formar e ingressar na profissão, a jovem já atuou como monitora e professora em turmas de Ensino Fundamental e Ensino Médio. 

Ela já trabalhou com alfabetização e pretende seguir em sala de aula, seja com crianças ou adolescentes. 

— É muito caro que a gente se mantenha no chão da escola — destaca. 

Apesar das diferenças em suas trajetórias, Bárbara e Mônica têm percepções semelhantes sobre a profissão e seus desafios, e compartilham a paixão pela educação. 

Confira as entrevistas: 

O que te inspirou para ser professora? 

Mônica: A base do que eu aprendi foi no Instituto de Educação. Tive professoras maravilhosas lá, meu curso de magistério foi muito bem fundamentado. Quando eu estudei, há mais de 60 anos, já tinha um laboratório de matemática, de ciências. E esse laboratório de matemática foi muito importante na minha vida, porque lá tinha materiais diversos, já tinha uma ideia de estudo em grupos, tinha uma bibliografia em francês. 

Na época, a gente trabalhava com uma linha francesa de aprendizagem de matemática. Então, eu diria que a base do meu amor pela matemática e do meu amor por ser professora foi essa, esse foi meu embasamento técnico

Bárbara: Eu sempre quis ser professora, desde criança. Essa era a minha principal brincadeira com a minha irmã, brincar de ser professora. Eu sempre fui muito engajada na escola, principalmente no Ensino Médio. Então, eu ficava muito tempo na escola, de manhã e de tarde, fazendo as tarefas, projetos, oficinas e essas coisas. E meu pai é professor também, então eu acho que isso sempre teve muito a ver comigo. 

Eu sempre me considerei uma pessoa muito comunicativa, que consegue e gosta de falar com as pessoas, de estar ao redor de muitas pessoas. E a Letras veio no Ensino Médio, quando eu comecei a gostar mais de ler e escrever.  

Qual é o papel do professor, na sua visão? 

Mônica: Ser professor é fazer diferença na sociedade. É propiciar a transformação das pessoas, a transformação da própria sociedade. E isso é de uma responsabilidade muito grande. Porque um bom professor faz diferença na formação de uma pessoa. 

Eu cito um exemplo na matemática. Se tu conseguires, como professora, despertar o amor pela matemática, se tu conseguires que um aluno teu se sinta capaz de aprender qualquer coisa, tu ensinas qualquer coisa para ele. Por isso, o trabalho do professor é extremamente importante.  

Bárbara: A importância da educação é basilar. A gente está na escola para passar para as pessoas conhecimento sobre o mundo, sobre códigos linguísticos, mas também a questão do convívio em sociedade. A escola é uma das primeiras portas que tu tem para viver em sociedade pela primeira vez, fora do seio da família. 

A educação, para mim, está nesse sentido de socializar as pessoas pela primeira vez, e abrir os olhos delas em relação ao resto do mundo. Eu ouvi na escola, pela primeira vez, que existem outros planetas além da Terra, em que eu habitava. Na escola, eu aprendi que vivo num país dentro de um continente, dentro de um globo. 

Essa abertura para o mundo, para a vida em sociedade e esses conhecimentos, tanto teóricos, práticos, quanto simbólicos, são muito importantes para a formação da pessoa.  

Quais são suas preocupações em relação à profissão, e como você enfrenta isso? 

Mônica: O mundo evolui, a tecnologia evolui. As pesquisas mostram coisas diferentes, e o professor não pode ficar parado no tempo. Para começar, ele tem que se desacomodar constantemente. Estudar, ter vivências diferenciadas, construir a sua bagagem como professor. E depois, existem outras barreiras bem difíceis que não dependem muito da gente, mas dependem das condições sociais. 

Por exemplo, não é a profissão com melhor remuneração. É uma profissão em que, às vezes, tu tem que fazer o melhor trabalho com muitos poucos recursos. E, para bem ensinar, nós temos que ter recursos. O sujeito aprende, por exemplo, na matemática, manipulando. Tu precisa ter os materiais, precisa ter ambientes. 

Como é que a gente vai proporcionar o desenvolvimento de competências digitais se nas nossas escolas não têm computadores, não têm internet? Tudo isso são barreiras que o professor tem, e que ele tem que vencer. E nós temos que valorizar muito os professores.

Muitas vezes, com poucos recursos, eles conseguem ensinar, conseguem cumprir a sua função. Muitas vezes, o professor tem que trabalhar em dois, três lugares ao mesmo tempo, para ter o seu provento. E aí, nós temos um grande problema, porque se nós, enquanto país, continuarmos minimizando esses problemas, não vai ter mais professor. Temos várias universidades que fecharam seus cursos de licenciatura de matemática, por exemplo, ou de física, química, história. (...) O Brasil tem que pensar muito nisso e investir na formação inicial e continuada de professores. 

Bárbara: Acho que hoje, no Brasil, a gente enfrenta muitas dificuldades, tanto questões materiais, quanto morais e simbólicas. Do ponto de vista material, temos um sucateamento da profissão e, com isso, o ensino público acaba sendo desvalorizado em detrimento do privado. 

Eu, pessoalmente, enfrento isso conversando com meus colegas, sendo sindicalizada, e também trabalhando em mais de um lugar. Que é o que a gente precisa fazer para conseguir se sustentar. Mas eu também acho que a gente passa por uma desvalorização moral do profissional da educação no Brasil, uma descredibilização do papel dos professores, há diversos movimentos nesse sentido. 

Eu enfrento isso sendo a melhor profissional que eu consigo ser em sala de aula, ouvindo meus alunos, estando presente ali, da forma mais carinhosa e generosa que eu consigo. 

Considerando todos esses obstáculos, o que te mantém na profissão?  

Mônica: Eu gosto muito do que eu faço. Jamais me imaginaria não sendo professora, porque o meu ser professor engloba muitas coisas, que não é só o ensinar, mas é o aprender. Continuo sendo professora. Não sou mais professora de adolescentes, crianças, sou professora de professores. 

E agora, mais recentemente, eu não estou à frente dos cursos, eu estou mais na assessoria, na construção de currículos, também de Educação Infantil, porque eu amo estudar essa área. Estar trabalhando nisso que eu faço é me manter viva. É continuar estudando, aprendendo e contribuindo. Não é acumular conhecimentos para a gente, é distribuir, ajudar, compartilhar.  

Bárbara: O que me mantém nessa profissão ainda, mesmo com todos os desafios, é saber que alguém precisa fazer isso. Entender que a gente vive em uma sociedade, todo mundo tem que fazer o seu papel, e alguém vai ter que educar as crianças e os jovens que estão vindo aí. 

Fonte: GZH 

Foto: Renan Mattos / Agencia RBS

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