O que explica os surtos de meningite no RS? Saiba quais são os sintomas e as vacinas disponíveis
Forma grave chamada doença meningocócica é a que preocupa; crianças de até cinco anos exigem mais cuidado
Com dois surtos de doença meningocócica, que é uma das formas de meningite, o Rio Grande do Sul já registrou 57 casos neste ano e ultrapassou o total de notificações de 2024 (53), além de ter equiparado o número de mortes (sete) em relação ao mesmo período. A enfermidade é considerada grave e demanda atenção. Zero Hora consultou especialistas para esclarecer dúvidas sobre os surtos e como se proteger (veja perguntas e respostas abaixo).
A meningite é uma inflamação das membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal. Pode ser causada por vírus, fungos, parasitas ou bactérias. A meningite bacteriana é a mais grave, responsável por hospitalizações, sequelas e mortes. Uma das formas mais preocupantes é a doença meningocócica, causada pela bactéria Neisseria meningitidis. Os sorogrupos (classificações da bactéria) A, B, C, W, X e Y podem provocar quadros graves da doença e surtos, como acontece no Estado.
Um dos surtos foi causado pelo sorogrupo Y, em Pelotas, com três casos, além de dois casos isolados do sorogrupo C. Em Bento Gonçalves, houve outro surto, pelo sorogrupo B, também com três casos. Em Canguçu, município da mesma Coordenadoria Regional de Saúde de Pelotas, duas pessoas foram diagnosticadas com o tipo Y, mas a situação não é considerada surto, já que não atingiu o mínimo de três casos independentes em até três meses.
"Sempre é uma doença grave", diz médico
Em 2025, há uma mudança no padrão dos sorogrupos no Estado: o B passou a ser o mais frequente (43,9% dos casos de doença meningocócica até agora), seguido pelo Y (21,1%). Já o sorogrupo C, predominante nos últimos anos, apresentou queda, de acordo com dados do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) do governo estadual.
Neste ano, a incidência da doença está mais alta no Rio Grande do Sul do que no Brasil — no entanto, no país, o número de casos sem identificação do sorogrupo é maior, conforme o Ministério da Saúde. A letalidade é de 12,3% no RS, considerando dados parciais. Em 2023, foi de 17,7% e em 2024, de 13,2%. De modo geral, é inferior à letalidade observada no país, que em 2024 foi de 21,1%, segundo o Cevs.
A doença meningocócica danifica o cérebro, como explica o médico infectologista Paulo Gewehr, representante regional da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e supervisor do Núcleo de Vacinas do Hospital Moinhos de Vento:
— Sempre é uma doença grave, potencialmente fatal ou com chance de dar sequelas. E é muito contagiosa, além de ser de rápida evolução. Em um período de 12 a 24 horas, uma criança que estava bem pode ser internada em uma UTI.
Tire suas dúvidas
O que explica o cenário atual da doença meningocócica?
O cenário registrado no Rio Grande do Sul é resultado de diferentes fatores, de acordo com especialistas. A ocorrência de surtos faz parte do comportamento da doença — já haviam sido registrados no Estado em 2015 e nos anos 1970. A diferença é a ocorrência de dois surtos em regiões distintas neste ano e quase ao mesmo tempo, conforme Letícia Martins, chefe substituta da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Cevs.
A enfermidade agora está retomando o seu perfil epidemiológico e os níveis pré-pandemia, período em que a incidência era ainda mais alta — as medidas sanitárias adotadas na crise contribuíram para a diminuição de casos, já que se trata de uma bactéria com transmissão de pessoa a pessoa por secreção respiratória.
A distribuição dos sorotipos é dinâmica e imprevisível, variando conforme a região e o ano, devido a diferentes fatores, explica Gewehr — o mais significativo é a vacinação.
A alta cobertura da vacina meningocócica C (91,5% em 2024), presente desde 2010 no Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Sistema Único de Saúde (SUS), leva à diminuição da prevalência do sorogrupo C e ao aumento da frequência de outros tipos, para os quais há menor cobertura vacinal, como B e Y.
A vacina meningocócica ACWY (contra esses sorogrupos) foi incorporada ao PNI somente em 2020 e está disponível para adolescentes de 11 a 14 anos. Em julho, passou a ser disponibilizada aos 12 meses de idade como reforço. A cobertura vacinal para o imunizante (54%) está muito aquém do esperado pela Secretaria Estadual da Saúde (SES) para as faixas recomendadas (80%).
— É muito cedo ainda para ver a proteção dessa expansão da vacina nas crianças e na população em geral — pondera Gewehr, da SBIm e do Moinhos de Vento.
Por esses motivos, grande parte da população adulta não recebeu as vacinas. A cobertura heterogênea nos diferentes municípios segue sendo um desafio a ser superado.
Já a vacina meningocócica B está disponível somente na rede privada, levando a uma cobertura baixíssima — e contribuindo para a prevalência do sorogrupo B no Estado.
Como se proteger?
A principal forma de prevenção é a vacinação, pois diminui a chance de adoecimento, progressão para formas graves e morte. Além de fornecer proteção individual, ajuda a assegurar a imunidade de rebanho da população ao dificultar a chegada da bactéria a pessoas não vacinadas.
— É importante fazer essa proteção desde os primeiros meses de vida, pois o grupo de maior risco para a doença meningocócica é até os cinco anos — ressalta o infectologista Paulo Gewehr. — Também tem uma frequência maior nos anos finais da infância e na adolescência. No adulto também acontece, mas em uma frequência muito menor, e volta a crescer um pouco no idoso.
Os adolescentes e principalmente jovens adultos são os grupos etários com maior proporção de portadores assintomáticos do meningococo, mantendo a circulação e a transmissão da bactéria. O imunizante tem a capacidade de descolonizar o portador assintomático. Por esses motivos, a vacinação de adolescentes é importante, embora seja desafiadora devido ao fato de geralmente serem saudáveis, não frequentarem postos de saúde e não procurarem vacina.
Quais são os sintomas?
A população deve procurar atendimento médico imediato ao surgimento de sintomas, especialmente se forem de início súbito. Os sinais são:
- Febre alta repentina
- Dor de cabeça intensa
- Rigidez na nuca
- Náuseas e vômitos persistentes
- Sensibilidade à luz
- Sonolência excessiva ou confusão mental
- Manchas vermelhas ou roxas na pele que não desaparecem ao serem pressionadas
- Convulsões
- Em crianças menores de dois anos: irritabilidade, choro persistente, sonolência ou abaulamento (inchaço) da moleira
Sinais de gravidade como dificuldade para respirar, palidez, extremidades frias e queda rápida do estado geral exigem atenção imediata. É recomendado levar a caderneta de vacinação ao serviço de saúde.
O que pode ser feito para melhorar o cenário? E o que já está em andamento?
Além de medidas como a convocação pelo poder público à vacinação, o presidente da SBIm apela para que a população se conscientize e busque os imunizantes — os que tiverem condições devem ampliar a vacinação na rede privada.
A Secretaria Estadual da Saúde ressalta que a rede está orientada a redobrar a atenção aos sintomas suspeitos de meningite. As medidas preconizadas pelo Cevs para interromper a cadeia de transmissão incluem:
- Fortalecimento da vigilância ativa, com reuniões e monitoramento das regiões afetadas
- Intensificação da vacinação em Pelotas e Canguçu, com plano de ação, vacinação ativa e extramuros para tentar recuperar não vacinados
- Fornecimento de antibiótico para contatos próximos do caso confirmado em até 24 horas — entre os quais pode haver portador assintomático, para descolonizar e evitar transmissão
Quais vacinas estão disponíveis na rede pública e na rede privada?
Pelo SUS estão previstas vacinas para quatro tipos da bactéria: uma específica para o sorogrupo C e outra que conjuga os tipos A, C, W e Y. A preconização do SUS é a seguinte:
- De três e cinco meses de idade: vacina meningocócica C (1ª e 2ª doses), também conhecida como MenC
- Doze meses de idade: vacina meningocócica ACWY (reforço)
- Adolescentes de 11 a 14 anos: vacina meningocócica ACWY (dose única)
Na rede privada, a Sociedade Brasileira de Imunizações recomenda preferencialmente a vacina ACWY pela maior abrangência de sorogrupos.
Crianças vacinadas com MenC ampliam a sua proteção com o uso da MenACWY. Nesse caso, deve ser respeitado o intervalo mínimo de um mês da última dose de MenC. Deve-se adotar o esquema recomendado pelo fabricante para a idade do início. A SBIm preconiza a MenC ou a MenACWY desta forma:
- Duas doses: aos três e aos cinco meses de idade
- Reforço aos 12 meses e entre cinco e seis anos (ou cinco anos após a última dose)
- Para vacinados na infância: reforço aos 11 anos ou cinco anos após a última dose
- Para não vacinados até 15 anos: duas doses com intervalo de cinco anos; a partir de 16 anos, uma dose
Já a vacina meningocócica B (MenB) ainda não está disponível no SUS, somente na rede privada. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) realizou uma consulta pública para avaliar a possibilidade de incorporação no sistema público. O Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a decisão final.
A SBIm preconiza a seguinte aplicação para a vacina MenB:
- Duas doses a partir de dois meses de idade, idealmente iniciando aos três meses e depois aos cinco meses
- Uma dose de reforço entre 12 e 15 meses
- Crianças de 12 a 23 meses: duas doses com intervalo de dois meses, com uma dose de reforço entre 12 e 23 meses após o esquema primário
- A partir dos 24 meses de idade: uma ou duas doses a depender da vacina utilizada — não foi estabelecida ainda a necessidade de dose de reforço
Pessoas com comprometimento do sistema imunológico ou que integram alguns grupos de risco podem buscar as vacinas independentemente da idade — no SUS, elas estão disponíveis gratuitamente nos Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE), onde é possível consultar a elegibilidade.
Outras vacinas preconizadas e disponíveis no calendário de imunização do SUS também protegem contra outras formas de meningite.
Posso buscar a vacina mesmo após a idade indicada para a vacinação?
No SUS, a vacinação é possível apenas para as idades indicadas no Programa Nacional de Imunizações. Somente crianças que perderam a oportunidade de receber o reforço aos 12 meses poderão recebê-lo até quatro anos, 11 meses e 29 dias.
Na rede privada, a vacinação para não vacinados é possível dentro das indicações descritas acima.
Fonte: Gaúcha ZH
Foto: meeboonstudio / stock.adobe.com
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