Consumo de arroz diminui mesmo com preço menor; entenda os impactos na mesa e no campo
Hábitos alimentares que priorizam rapidez e comodidade mudam o dia a dia do brasileiro, enquanto agricultores enfrentam ganhos menores do que o custo para produzir o cereal
Uma combinação entre consumo menor, produção farta e preços em queda para quem produz está modificando as dinâmicas de um dos alimentos chave do prato do brasileiro. O arroz deixou de ser preferência para parte significativa da população, e os impactos da mudança de hábito vão do campo à indústria, passando também pela inflação.
- O consumo de arroz sofreu queda de mais de 10 quilos por pessoa ao ano desde os anos 1980
- Por conta de mudanças de hábitos alimentares, a população está substituindo o item por fast-food e ultraprocessados
- Apesar da alta do custo da alimentação em casa, o arroz ficou cerca de 25% mais barato em Porto Alegre no primeiro semestre
- Em paralelo, agricultores enfrentam o desafio do excesso de oferta, combinado a ganhos menores que não compensam o custo de produção
Comportamento alimentar
Os efeitos são em cadeia, mas começam ainda na mesa. A nutricionista Caroll Martins vê no comportamento alimentar o principal ponto que leva ao consumo menor do grão. Além do tempo mais escasso para o preparo das refeições, a comodidade da telentrega e o avanço dos ultraprocessados têm como efeito a escolha por outros alimentos.
— A primeira coisa é em relação ao tempo: as pessoas fazem mais refeições fora de casa ou optam pelo delivery, e o arroz quase nunca está entre essas opções. Não há mais a preferência de se fazer o almoço ou o jantar com o arroz e o feijão, que eram muito típicos da refeição, mas que exigem tempo e preparo — diz a Caroll.
Pesquisa feita pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) indica que o hábito de comer arroz e feijão no Brasil caiu significativamente nas últimas décadas. Em 1985, o consumo per capita de arroz era superior a 40 quilos por habitante ao ano, caindo para 29,2 quilos em 2023.
A nutricionista alerta para o fato de as famílias estarem substituindo os alimentos principais pelas chamadas calorias vazias, muito presentes em comidas de fast-food, por exemplo. O resultado da troca já aparece em qualidade de vida. Por causa da mudança de hábito e da alteração de paladar, a especialista lembra que a obesidade já supera a desnutrição em crianças e adolescentes em idade escolar. Relatório da Unicef mostra que, em 2000, o percentual de crianças e adolescentes brasileiros entre cinco e 19 anos com obesidade era de 5%, dado que triplicou para 15% até 2022.
Outra questão são os modismos de dieta, que colocam o carboidrato como ruim para a alimentação e a perda de peso. Consequentemente, o consumo é reduzido. Na palavra da nutricionista, a vantagem da substituição é um mito.
— Tudo isso são mitos. O carboidrato é uma fonte muito importante, uma opção conhecida do brasileiro e que dá saciedade. A associação de arroz e feijão tem uma combinação de nutrientes importante especialmente para pessoas com menor poder aquisitivo. O arroz satisfaz e alimenta, o que permite um controle de peso e qualidade de vida, justamente por ser um alimento bom — defende Caroll.
Cada brasileiro consome, em média, 29,2 quilos de arroz por ano.Lívia Stumpf / Especial
Do bolso ao prato
Para especialistas da área econômica, a alta no preço dos alimentos desde a pandemia, associada à mudança de hábito citada pela nutricionista, também levou o brasileiro a comer menos arroz e feijão nas suas refeições.
Além disso, os custos da alimentação feita em casa subiram 55% nos últimos cinco anos no país, acima da inflação geral de 33% acumulada no período, conforme o Índice de Preços dos Alimentos (IPCA) calculado pelo IBGE.
No primeiro semestre de 2025, Porto Alegre anotou a maior inflação de alimentos para consumo em casa entre as capitais brasileiras. Apesar da alta geral, o arroz foi um dos itens que mais teve queda entre os alimentos, de 25,9% na Capital e região.
— Por isso que é muito uma questão de comportamento, porque o fast-food também não é barato — diz a nutricionista sobre a opção de comer fora.
Impactos no campo
Setor recomenda redução de área plantada para frear estoques.Cleiton José Ramão / Irga/ Divulgação
Em sentido inverso, o cenário para quem produz arroz é de queda nos preços. E o motivo é o excesso de oferta. Vindo de safras cheias, os maiores produtores mundiais, entre eles o Brasil, produziram sem ter mercado suficiente para quem vender.
O momento já leva a ajustes na atividade agrícola. Rodadas de leilões públicos também foram viabilizadas para equilibrar os preços em queda.
Maior produtor nacional de arroz, o Rio Grande do Sul é um dos mais prejudicados pela crise no setor. O excesso de oferta pressiona os preços a patamares bem inferiores aos custos de produção, comprometendo os negócios para o produtor. Além disso, há perda de espaço para outros Estados. Apesar de vender para o país todo e de exportar para mercados importantes, o RS divide terreno com a indústria de Minas Gerais e de São Paulo, que importa grãos do Paraguai para fazer o beneficiamento em solo nacional.
A Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) vê o momento como desafiador e já recomenda a redução na área plantada da próxima safra para frear os estoques.
Presidente da entidade, Denis Nunes alerta para a viabilidade da produção e as consequências econômicas e sociais a partir dela. Sem competitividade que justifique o cultivo, o risco do desestímulo ao arroz vai da segurança alimentar da população à geração de renda dos trabalhadores que vivem da cultura. A Federarroz vem trabalhando em campanhas para incentivar o consumo dos brasileiros.
— O arroz é um produto que gera muita renda na metade Sul, que tem uma das maiores rentabilidades por hectare e que emprega muita gente, demandando muita mão de obra. Fora a indústria beneficiadora que está instalada por aqui — diz Nunes.
Fonte: GZH
Foto: Marcelo Casagrande / Agencia RBS
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