EAD não aumentou a escolaridade no Interior e ajudou a desarticular o movimento estudantil
Modalidade ganhou novo marco regulatório e passará por transformações nos próximos anos
Ainda desafiador no Brasil, o acesso ao Ensino Superior não registrou aumento na escolaridade de moradores de municípios do Interior mesmo diante da expansão exponencial do ensino a distância (EAD). Durante palestra nesta terça-feira (26), Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp – entidade que representa mantenedoras de Ensino Superior no Brasil – afirmou que o modelo adotado no país foi criado para reduzir o valor da mensalidade, mas que é pior do que o presencial na promoção de inclusão.
— O Brasil criou esse modelo, que não se vê no resto do mundo, buscando aumentar o acesso dos jovens (de 18 a 24 anos) ao Ensino Superior, que hoje calculamos em 20%. Isso trouxe um modelo extremamente complicado e precário, no qual você já não tem capacidade de dar atenção a um aluno que não demanda uma atenção maior, quanto mais para pessoas que precisam de um olhar mais exclusivo. E isso em instituições privadas e públicas — destacou Capelato no painel sobre os desafios do Ensino Superior.
A participação do diretor-executivo se deu no 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, realizado em São Paulo. Capelato salientou que a modalidade é “muito pior do que a presencial” no processo de inclusão de populações com menos acesso, inclusive de minorias como as comunidades indígenas, e que a crítica ao novo marco, de que reduziria o acesso dessas populações, “é uma falácia”.
— Muitos falam que o EAD permite dar acesso ao Ensino Superior a moradores de lugares mais longínquos. A gente tem um mapa no qual mostramos onde estão as matrículas no presencial e no EAD, e a interiorização não aconteceu, até porque não há população em grande escala fora dos grandes centros e da faixa litorânea — avaliou.
Em outras nações, como os Estados Unidos e a Austrália, a modalidade também tem crescido e até superado o número de vagas de cursos presenciais, mas, conforme Capelato, o preço das mensalidades é semelhante ou até superior ao das matrículas presenciais.
Por isso, diante do novo marco brasileiro, que estabelece a obrigatoriedade do ensino presencial ou semipresencial para uma série de graduações e uma estrutura mais robusta para os polos EAD, o “nó”, na opinião dele, será implementar as regras de forma a seguir ampliando o acesso à formação superior.
Desarticulação
Wesley Gabriel, que participou do painel representando a União Nacional dos Estudantes (UNE), ressaltou que o EAD “proporciona a oportunidade de mais pessoas acessarem o conhecimento”, mas que, muitas vezes, a modalidade “se coloca como um mecanismo para que as instituições possam gastar menos”. O graduando de Geografia do Instituto Federal de São Paulo também aponta para a mercantilização da educação e a pandemia como elementos que tiveram efeito de desarticulação dos alunos.
— Hoje, quando vamos passar em salas de aula para apresentar o movimento estudantil, enfrentamos um grande desafio que se aprofundou durante a pandemia, que é a desarticulação desse movimento. Temos uma série de atléticas, centros e diretórios acadêmicos que não conseguiram continuar as suas atividades, e há instituições onde nem conseguimos entrar, porque já existe um impedimento do movimento estudantil de ocupar esses espaços. Estamos em um processo profundo de reconstrução dessa rede — pontuou Wesley Gabriel.
Ele destacou que a participação em eventos da UNE cresceu de cerca de 100 a 200 pessoas, em 2022, para 15 mil, no congresso de 2025. No entendimento dele, a dificuldade de organização do movimento se conecta ao fato de que, hoje, o Brasil conta com uma juventude “extremamente cansada devido às relações de trabalho, em que ou a pessoa trabalha na escala 6x1, ou está em um subemprego, ou não está em sala de aula porque está fazendo EAD”.
— No EAD existe uma dificuldade de se ter a troca histórica que existia entre o movimento e os estudantes, que é o básico, da passagem em sala de aula para apresentar as nossas lutas. Temos buscado nos reinventar, lançando campanhas digitais, abaixo-assinados que nos permitam aglutinar forças para apresentar uma alternativa, mas realmente existe essa grande dificuldade — reconheceu o jovem.
Wesley cita, ainda, a polarização como algo que deixou muitos “com um pouco de ressalva a respeito da política”, mas defende que cabe ao movimento estudantil seguir buscando organizar a “revolta consequente” da juventude, de forma a procurar caminhos.
Políticas de permanência
Para Márcia Lima, que foi secretária de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial até abril deste ano e também participou do painel, existe um risco, quando se criam políticas que visam a redução das desigualdades, de se gerar ainda mais desigualdade, o que pode acontecer no EAD.
— O EAD é muito forte dentro do Prouni (Programa Universidade para Todos, que concede bolsas para alunos de baixa renda em instituições privadas), mas a universidade tem que prover permanência para um aluno que não está lá presencialmente? Essa é uma questão importante — sinalizou Márcia.
Nestes 20 anos de existência de cotas raciais e sociais no Ensino Superior brasileiro, a ex-secretária aponta para o aumento da heterogeneidade nesta etapa. Essa diversidade, contudo, exige outras transformações para além da reserva de vagas, que visem a permanência dos alunos, na opinião de Márcia. As taxas de abandono dos cursos no EAD são superiores do que as da modalidade presencial.
Fonte: GZH
Foto: Tiago Queiroz / Divulgação
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