Qual o impacto das mudanças climáticas na saúde humana? Entenda
Evidências crescentes têm mostrado a relação entre clima extremo e doenças cardiovasculares e respiratórias; especialistas alertam e explicam como reduzir efeitos
O impacto das mudanças climáticas pode ir muito além dos danos ao meio ambiente. Diversos estudos já apontaram que ondas de calor e de frio mais intensas, maior nível de poluição atmosférica e eventos climáticos extremos apresentam riscos graves para a saúde humana.
Em estudo publicado em junho de 2024, especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) reuniram evidências científicas que mostram que as mudanças climáticas podem levar a complicações de saúde importantes e potencialmente fatais, principalmente entre mulheres grávidas, recém-nascidos, crianças e idosos.
Os autores dos estudos observaram, por exemplo, que os nascimentos prematuros têm acontecido com maior incidência durante as ondas de calor, aumentando o risco de morte infantil. Segundo a OMS, a cada 1 °C adicional na temperatura mínima diária acima de 23,9 °C aumenta o risco de mortalidade infantil em até 22,4%.
Além disso, os pesquisadores ressaltam que o calor extremo está associado ao maior risco de ataque cardíaco e dificuldades respiratórias por pessoas mais velhas.
A CNN conversou com especialistas para entender quais os impactos das mudanças climáticas na saúde humana e as principais medidas de prevenção e adaptação. Veja mais a seguir.
Impactos para a saúde respiratória
De acordo com Eduardo Algranti, coordenador da Comissão Científica de Doenças Respiratórias Ambientais e Ocupacionais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), o aumento da temperatura global causada pelo aquecimento global pode favorecer a presença no ar de substâncias que irritam as vias aéreas, como o ozônio.
"Além disso, o aumento da temperatura leva a fenômenos que o acompanham, como chuvas intensas, inundações, secas, queimadas, incêndios. Essa série de fenômenos meteorológicos tem uma influência em relação à qualidade do ar e na saúde respiratória", afirma Algranti.
Segundo o especialista, entre as populações mais vulneráveis a complicações de saúde causadas pelas mudanças climáticas estão os idosos. "Eles podem ser mais fragilizados por conta de desidratação. Além disso, a maior umidade dentro de casa, devido ao calor, aumenta a presença de mofo no ambiente, o que aumenta o risco de reações alérgicas", diz.
Outro ponto importante destacado pelo especialista é a poluição do ar. Segundo estudo publicado recentemente na revista Nature, esse já é um dos principais fatores de risco para o câncer de pulmão, mesmo em pessoas que nunca fumaram. Além disso, a poluição atmosférica já é considerada um agente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), da OMS.
"Isso significa que há evidências, não só experimentais em laboratórios, mas também em humanos, sobre o aumento do risco de câncer, principalmente o câncer de pulmão, pela poluição", afirma Algranti. "A poluição é composta por partículas de substâncias sólidas, gases e vapores. Quando há um número grande de substâncias sólidas, elas podem absorver outros produtos químicos que são cancerígenos, como os hidrocarbonetos policíclicos. Isso é um fator superimportante [para o risco de câncer]", completa.
Porém, o especialista ressalta que, além do aumento da temperatura, ondas de frio mais intensas também podem trazer riscos à saúde e estão mais frequentes diante das mudanças climáticas. "Os riscos relacionados ao frio já são mais conhecidos: há uma tendência maior de circulação de vírus como influenza [gripe], covid, coqueluche, entre outros, que se replicam melhor em temperaturas mais baixas", afirma.
Impactos para a saúde cardiovascular
As mudanças climáticas também representam um risco para a saúde cardiovascular. De acordo com Ricardo Pavanello, membro do Conselho Administrativo da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), temperaturas extremas estão associadas a mudanças no tônus das artérias, causando vasoconstrição e hemoconcentração. Em outras palavras, há o aumento da pressão arterial e engrossamento do sangue, favorecendo a formação de coágulos.
"Existem, também, interferências inflamatórias, desencadeadas a partir das citocinas, que são marcadores inflamatórios. Isso aumenta o risco de eventos cardiovasculares, como infarto e AVC [acidente vascular cerebral ou derrame] e, também, de câncer", afirma Pavanello. "Esse é um impacto muito negativo, porque as doenças cardiovasculares e o câncer são as duas primeiras causas de óbito, e ambas estão sendo impactadas pelas mudanças ambientais."
Um estudo publicado em abril de 2024 na revista Neurology, da Academia Americana de Neurologia, mostrou que as mudanças climáticas podem estar associadas ao aumento da mortalidade e da incapacidade por AVC. Em 2019, ocorreram 521.031 mortes por AVC associadas a temperaturas não ideais, segundo a pesquisa.
Segundo os pesquisadores, diante de temperaturas mais baixas, os vasos sanguíneos de uma pessoa podem se contrair, aumentando a pressão arterial. A hipertensão arterial é um fator de risco para o acidente vascular cerebral. Temperaturas mais altas podem causar desidratação, afetando os níveis de colesterol e resultando em fluxo sanguíneo mais lento, fatores que também podem levar ao AVC.
Aumento de vetores para doenças infecciosas
Outro ponto relevante é o aumento de vetores de doenças como dengue, zika, chikungunya, Chagas e malária. As mudanças climáticas podem expandir as áreas de distribuição de mosquitos, aumentando a incidência de arboviroses, de acordo com o Ministério da Saúde.
A pasta reforça, ainda, que eventos climáticos extremos, especialmente inundações, podem aumentar o risco de doenças infecciosas como leptospirose, transmitida por meio da exposição direta ou indireta à urina de vários animais, principalmente ratos, infectados pela bactéria Leptospira.
Além da leptospirose e da dengue, o Ministério da Saúde alerta para o risco de propagação de outras doenças em decorrência da contaminação da água, como diarreia, cólera, febre tifoide, hepatite A, giardíase, amebíase e verminoses.
Riscos para a saúde mental também existem
A Associação Americana de Psicologia já usa um termo para definir o impacto das mudanças climáticas na saúde mental: ecoansiedade. De acordo com a entidade, ele significa o "medo crônico da catástrofe ambiental".
Um estudo publicado em 2021 na revista científica The Lancet Planet Health, realizado com mais de 10 mil crianças e jovens (entre 16 e 25 anos) de dez países, incluindo o Brasil, mostrou que a preocupação com as alterações climáticas era comum entre os entrevistados.
De acordo com a pesquisa, 59% se diziam muito ou extremamente preocupados com as mudanças climáticas; 89% estavam, pelo menos, moderadamente preocupados. Mais de 50% dos entrevistados relataram cada uma das seguintes preocupações: tristeza, ansiedade, raiva, impotência, impotência e culpa. Mais de 45% dos entrevistados disseram que os seus sentimentos sobre as alterações climáticas afetaram negativamente a sua vida diária.
Além disso, 75% dos entrevistados disseram que pensam que o futuro é assustador e 83% afirmaram que acham que as pessoas falharam em cuidar do planeta.
Outra pesquisa recente, realizada no campus Butantã da Universidade de São Paulo (USP) revelou o impacto de fenômenos extremos na saúde mental dos estudantes: 78% se disseram muito preocupados e quase 90% afirmaram acreditar que as emergências climáticas podem acabar com a vida humana na Terra. Boa parte também associou o tema ao pior desempenho acadêmico e à má qualidade do sono.
O que pode ser feito para prevenir?
Para Pavanello, a prevenção de doenças cardiovasculares decorrentes do impacto das mudanças climáticas é feita com a conscientização acerca das questões ambientais.
"Embora a mortalidade por doenças cardiovasculares tenha reduzido um pouco em países de renda mais alta, naqueles de renda mais baixa houve um aumento. Então, estamos na contramão do que deveria estar acontecendo. Nós já temos tratamento, mas estamos pecando nesse ponto de reduzir o impacto ambiental e se preocupar com o contexto do problema ecológico ao redor do mundo", afirma.
Para Algranti, as soluções devem ser pensadas de acordo com as condições enfrentadas por cada região. "Cada local deve se adequar ao clima e aos fenômenos que acontecem com mais frequência. Em São Paulo, por exemplo, temos um grande problema que é a poluição veicular e um tráfego muito intenso, o que, obviamente, é um fator que agrava qualquer fenômeno climático", afirma. "Nós não vamos conseguir interferir no fenômeno climático a curto prazo. Temos que mitigar o que é possível mitigar, como reduzir a poluição veicular e melhorar a drenagem do solo, por exemplo", completa.
Além disso, os especialistas listam medidas caseiras para evitar sintomas e impactos na saúde relacionados ao clima extremo, como:
- Manter a vacinação em dia, para evitar infecções respiratórias;
- Manter hábitos mais saudáveis de vida;
- Evitar o tabagismo, pois isso aumenta a possibilidade de irritação nas vias aéreas;
- Evitar o exercício físico nas horas de temperaturas mais extremas (seja calor ou frio);
- Manter a hidratação adequada;
- Vedar as janelas, no caso de viver em áreas suscetíveis a queimadas;
- Manter a umidade interna da casa em dias de tempo seco (com toalhas molhadas ou umidificadores de ar).
Fonte: CNN Brasil
Foto: chuchart duangdaw/GettyImages
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