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Cientistas viram influenciadores para combater fake news e traduzir a ciência nas redes sociais

  • Data: 19/Ago/2025

Podcasts e vídeos publicados nas redes sociais estão entre ferramentas usadas por cientistas para disseminar o conhecimento acadêmico

A tradicional figura do pesquisador isolado, que vive dentro do laboratório e usa vocabulário técnico, vem dando lugar a profissionais conectados com as discussões sociais, que buscam aproximar a ciência das pessoas. Muitos deles apostam na divulgação científica para expandir o alcance do conhecimento produzido na academia. 

Palestras, podcasts, vídeos nas redes sociais, infografia e documentários estão entre os recursos utilizados por instituições, pesquisadores e estudantes. Eles buscam divulgar a ciência e levar à sociedade informações relevantes que, muitas vezes, ficam restritas aos muros das universidades.

Penso em quais estratégias vou utilizar para disseminar esse conhecimento para que isso transforme, de fato, as vidas dos cidadãos.

MELLANIE FONTES-DUTRA

 

Em um contexto de circulação de fake news e resistência à vacinação, profissionais da saúde vêm usando platafor mas digitais para disseminar informações científicas em linguagem acessível. É o caso da biomédica Mellanie Fontes-Dutra, professora da Escola de Saúde da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Nas redes sociais, ela busca descomplicar assuntos sobre saúde pública, como doenças, vacinas e tratamentos, por meio de vídeos curtos e divertidos. Ela se apresenta como “cientista de bolso” no Instagram, onde contabiliza 48 mil seguidores. 

— Depois de publicar um estudo, tenho que pensar em como vou fazer essa informação chegar nas pessoas. Penso em quais estratégias vou utilizar para disseminar esse conhecimento para que isso transforme, de fato, as vidas dos cidadãos que precisam dessa informação, ou que podem se beneficiar dela — afirma. 

Atualizações sobre a varíola dos macacos, gripe aviária, novas cepas da covid-19, mitos e verdades sobre doenças são alguns dos assuntos tratados nos vídeos, sempre de forma leve, abordando temas que viralizaram. Mellanie concilia as tarefas como professora e pesquisadora, com a produção de conteúdo para as redes.

Ela mesma faz roteiros, grava e edita os materiais, depois de estudar os artigos científicos que aborda. Em todas as postagens, é possível encontrar as referências utilizadas. Para Mellanie, divulgação científica é mais do que traduzir termos técnicos ou popularizar descobertas de laboratório – é uma prática fundamental para se ter uma sociedade com capacidade crítica

— É importante fazer com que as informações científicas cheguem às pessoas, promovendo um aumento da literacia em saúde e da literacia em ciência. Dessa forma, as pessoas conseguem navegar melhor nesse universo com tantas informações, e aprender a se blindar das fake news. 

Comprometimento com a ciência 

Os especialistas ouvidos na reportagem ressaltam que, ao adotar as práticas de divulgação, o pesquisador tem uma grande responsabilidade em mãos: compartilhar o conhecimento de forma leve coloquial, sem deixar de lado a precisão científica. Esse é um ponto citado pela cientista do clima Karina Lima, que faz doutorado na área de Climatologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 

Duda Fortes / Agencia RBS

A cientista do clima e divulgadora científica Karina Lima faz doutorado na área de Climatologia na UFRGS.Duda Fortes / Agencia RBS

Karina afirma que se tornou uma cientista melhor após começar a fazer o trabalho de divulgação. A atividade contribui para se manter atualizada e conectada com o universo acadêmico: 

— A divulgação científica nos obriga a estudar muito. Qualquer assunto que você vá falar, você tem uma imensa responsabilidade. Por mais que eu já saiba disso, eu preciso estudar e me atualizar, verificar o que tem de mais atual dentro daquele assunto — explica. 

Somando o Bluesky e o X (antigo Twitter), a jovem conta com cerca de 57 mil seguidores nas redes sociais, onde publica textos curtos, imagens e infográficos que ajudam a compreender eventos climáticos extremos e seus efeitos. Agora, ela se prepara para começar a gravar vídeos. 

— Se saiu um artigo novo interessante, ou quando tem uma notícia bombástica, muitas vezes, eu vou lá e destrincho o artigo, tento colocar numa linguagem acessível para quem não é da área — conta Karina. 

A divulgação científica é fundamental para conectar esses dois mundos: o mundo onde é feita a ciência, e o mundo onde essa ciência vai ser utilizada, a sociedade.

JEFERSON ARENZON

 

Outro exemplo de estratégia de divulgação é o podcast Fronteiras da Ciência, vinculado à UFRGS, que traz os assuntos de maneira descontraída, com debates e entrevistas. O programa foi criado em 2010 por um grupo de docentes e já contabiliza 500 episódios. Um dos idealizadores é o professor titular do Instituto de Física da UFRGS Jeferson Arenzon

 

Combate à desinformação nas salas de aula 

Além do trabalho desenvolvido pelos cientistas como influenciadores, existem políticas que visam fomentar a divulgação científica. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) já lançou editais para financiar projetos nessa área, e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação vem divulgando iniciativas como olimpíadas, feiras de ciências e ações em museus. 

No entanto, na visão de Mellanie, é preciso garantir mais incentivos. Ela defende que o estímulo à divulgação científica deve começar na graduação, para que os estudantes saiam da universidade qualificados para isso: 

— Hoje, a pessoa que vai fazer divulgação científica não encontra tantas oportunidades para se qualificar para isso. É importante que tenhamos nas graduações disciplinas que tragam essa oportunidade. Que possamos ter um diálogo maior entre escolas de jornalismo e as escolas de saúde, para promover mais trocas entre jornalistas científicos e divulgadores científicos. 

Financiado pelo CNPq e Ministério da Saúde, o projeto Desmistifake Saúde busca popularizar a ciência e contribuir para o enfrentamento à desinformação. Coordenada pela professora Juliana Scherer, da Escola de Saúde da Unisinos, a iniciativa foi lançada no início do ano e integra o projeto de pesquisa “Educação digital em saúde: desenvolvendo estratégias para divulgar e popularizar a ciência”. 

— Lançamos nas redes sociais esse produto, que traz os resultados dos nossos estudos. Também teremos oficinas de capacitação para profissionais da rede de atenção básica e para alunos dos cursos de saúde. Essa formação precisa ocorrer desde cedo. O aluno precisa saber filtrar as informações que chegam até ele — explica Juliana. 

A estudante Isabella Cavallin, 19 anos, está no 4º semestre de Farmácia na Unisinos, e é uma das integrantes do Desmistifake. Ela conta que participar do projeto tem sido um diferencial em sua trajetória, que a ajudou a entender por "qual caminho quer seguir". 

No Instagram e TikTok, principais redes sociais do projeto, Isabella e os colegas publicam vídeos curtos explicando temas complexos, ou desmentindo notícias falsas ou boatos relacionados à saúde. É o caso de postagens que associam a mamografia a câncer de mama ou de informações que vinculam vacinas ao autismo. 

— Essas fake news existem há anos, e acabam atrapalhando o diagnóstico e prevenção de doenças, muitas vezes. Por isso, temos esse objetivo, de mapear quais assuntos têm maior disseminação de desinformações e bolar estratégias para combater isso — explica a aluna. 

Nessa sociedade plataformizada em que vivemos, é difícil distinguir narrativas falsas de informações com credibilidade. Procuramos trabalhar essa distinção.

EVERTON RODRIGO SANTOS

 

Na Universidade Feevale, a disciplina “(Des)Informação e Democracia na Era Digital” busca discutir a difusão das fake news e refletir sobre soluções educacionais e tecnológicas para enfrentar esse fenômeno.

— Os alunos chegam com dificuldades para saber onde encontrar informações fidedignas. Nessa sociedade plataformizada em que vivemos, é difícil distinguir narrativas falsas de informações com credibilidade. Procuramos trabalhar essa distinção, de como se produzem resultados na ciência, por exemplo, e como sair destas bolhas de desinformação — conta o professor Everton Rodrigo Santos, criador da disciplina. 

Fonte: GZH

Foto: Renan Mattos / Agencia RBS

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