Especialista alerta para comportamentos que indicam adoecimento mental em crianças e adolescentes
Sintomas sutis e rotina digital intensa podem esconder problemas na saúde psicológica. Tema exige atenção, escuta ativa e presença dos pais
Raiva repentina, reações exageradas em jogos online e vontade constante de estar no celular. Para muitos pais, esses comportamentos fazem parte da juventude, fase da vida de sentimentos intensos, pouca conversa e muitos cliques no aparelho telefônico.
Na adolescência, o sofrimento psíquico muitas vezes se manifesta discretamente e pode até ser confundido com "frescura" ou "fase de rebeldia". Mas a psicóloga Michele Rauber Mattana alerta que mudanças de comportamento e o uso excessivo de telas podem ser sinais de que algo está errado.
A professora de Psicologia da Universidade de Passo Fundo (UPF) aponta que os responsáveis precisam ficar atentos a essas sutilezas:
— Um adolescente que perde uma partida on-line e dá um soco na mesa, por exemplo. Aquilo pode ser visto como algo comum, natural, uma explosão de raiva na adolescência. Mas quando temos o acréscimo de que este adolescente está mais recluso, com mais interação online do que física, já temos um sinal de alerta que, muitas vezes, pode passar despercebido.
Frases como "nada faz sentido mesmo" e "sou um fracasso", muitas vezes ditas em tom irônico, também podem expressar angústias reais.
Mais do que identificar esses sinais, Michele reforça que o mais importante é ter um adulto disponível e verdadeiramente interessado no universo do adolescente.
— Não podemos pensar em sinais sem pensar que tem que ter um adulto vendo isso, porque senão nada será um sinal — afirma a especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental.
Impacto das telas na infância
Exposição prolongada às telas desde cedo pode impactar negativamente o equilíbrio emocional das crianças.Diogo Sallaberry / Agencia RBS
Comportamentos que preocupam na adolescência começam ainda na infância, e com atitudes que parecem inofensivas. Segundo Michele, o uso precoce e excessivo das telas, oferecidas para acalmar ou distrair a criança, pode criar um padrão de dependência emocional no conteúdo digital.
— Muitas vezes, as telas são oferecidas para as crianças em momentos onde elas estão chorando, cansadas ou precisam fazer alguma tarefa. Então, aquele sentimento ruim automaticamente vai ser substituído por algo muito prazeroso, que é a tela — explica.
Essa repetição cria o que a psicologia chama de reforço positivo, ou seja, com o tempo a criança aprenderá que sempre que sentir algo ruim, a solução será a tecnologia.
— Entende-se, desde pequeno, que a tela vai te acalmar, te desestressar. Nós adultos também somos assim, temos séries e filmes conforto, por exemplo. Quando temos um adolescente que não consegue sentir prazer fora da tela, é porque temos um adolescente que não teve experiências, não teve o que chamamos de repertório comportamental — esclarece.
Conectar para compreender
Ainda é comum que o sofrimento dos adolescentes seja subestimado. Muitos adultos enxergam a fase como difícil, o que acaba invalidando sentimentos reais como tristeza, raiva ou ansiedade.
Na contramão dos pais, os jovens têm demonstrado mais abertura para buscar ajuda terapêutica, segundo a psicóloga:
— É difícil para os pais imaginarem que o filho tem uma saúde mental prejudicada, porque para eles é como se estivesse dizendo que a criação não foi boa o suficiente. Então, muitas vezes, isso mexe muito mais com os pais do que com os próprios adolescentes.
Responsáveis precisam estar disponíveis e verdadeiramente interessados no universo da criança e do adolescente.Mateus Bruxel / Agencia RBS
A especialista também afirma que muitos responsáveis acreditam que, se o filho está trancado no quarto, está seguro, mas que isso pode esconder um isolamento prejudicial.
— Quando mais de 80% do tempo ocioso é preenchido por telas, é um tempo de saúde mental prejudicada — pontua.
Ela também reforça que pequenos incentivos e a atenção genuína dos adultos são fundamentais. Elogiar momentos longe das telas, perguntar sobre sentimentos e demonstrar interesse real pelo universo do adolescente são formas de fortalecer o vínculo e criar um espaço de escuta.
— O papel do adulto vai ser ajudar a entender o que está sentindo — conclui.
Onde buscar ajuda
Em Passo Fundo, o Centro de Atenção Psicossocial Infantil (Caps-I) oferece atendimento especializado para crianças e adolescentes com transtornos mentais severos e persistentes, incluindo casos relacionados ao uso de substâncias psicoativas, como álcool e outras drogas.
O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, na rua Quinze de Novembro, 1365 — centro.
Além do Caps-I, as unidades de saúde do município também integram a rede de atenção em saúde mental, com atendimentos realizados por psicólogos e psiquiatras.
Fonte: GZH
Foto: Unimed Nordeste-RS / Divulgação
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