Consignado CLT: entenda o que muda com a aprovação da MP no Congresso
Nova modalidade de empréstimo amplia o acesso a profissionais com carteira assinada e inclui trabalhadores de aplicativos, mas exige atenção ao risco de endividamento e ao nível do juro
O Senado aprovou o projeto que cria o crédito consignado para trabalhadores do setor privado com carteira assinada. Conhecido como Crédito do Trabalhador, o modelo está em vigor desde março, por Medida Provisória. O texto segue agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A proposta teve apoio da base governista, de centrais sindicais e da Febraban, que consideram a medida um avanço na democratização do crédito.
Entre os principais argumentos a favor da nova linha, estão a redução do custo médio do crédito e o estímulo ao consumo imediato. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), mais de R$ 14 bilhões já foram concedidos desde o lançamento da modalidade, com 60% dos tomadores ganhando até quatro salários mínimos.
Antes da medida, o trabalhador do setor privado enfrentava taxas médias de 8,15% ao mês em linhas de crédito pessoal, enquanto servidores públicos tinham acesso a juro de cerca de 2% ao mês e aposentados, 1,8%. A expectativa com a nova regulamentação é aproximar o consignado CLT a um patamar entre 3% e 4% ao mês.
Expansão para trabalhadores de aplicativos
O texto aprovado no Congresso manteve as diretrizes centrais da MP original, mas também trouxe alterações importantes: foi incluída a possibilidade de trabalhadores de aplicativos, como motoristas e entregadores, aderirem à modalidade. O desconto das parcelas será feito diretamente nos repasses das plataformas, com limite de 30% da renda mensal.
Para o advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Eugênio Hainzenreder Júnior, sob o ponto de vista jurídico, essas alterações não parecem suscetíveis a vetos presidenciais, mas exigirão regulamentação futura para que se saiba como as plataformas irão operacionalizar o desconto dos contratos.
FGTS como garantia
Outro avanço da medida, segundo o professor, é o uso do FGTS como garantia adicional do crédito. O texto prevê que o trabalhador possa oferecer até 10% do saldo do FGTS e até 100% da multa rescisória como garantia. Para Hainzenreder, isso pode impactar positivamente nas taxas:
— Havendo essa garantia, as instituições possam reduzir o grau de risco que se manifesta no juro. O trabalhador vai ter uma oferta no mercado, e é como se fizéssemos uma pesquisa de preço para comprar um bem próprio. A mesma coisa agora, quando o empregado for contrair um empréstimo, deverá estar atento a quais são as taxas de juro das respectivas instituições financeiras.
Pelo modelo aprovado, o trabalhador pode contratar o empréstimo por meio do aplicativo da Carteira de Trabalho Digital (CTPS) ou diretamente com instituições financeiras habilitadas. As propostas devem ser apresentadas em até 24 horas após a solicitação, criando um ambiente mais transparente e competitivo.
Risco de endividamento
Apesar dos avanços, o professor faz ressalvas importantes. Segundo ele, o que chama a atenção é o perfil do público que mais tem aderido à linha de crédito. A maioria dos contratantes (60%) são pessoas com renda de até quatro salários mínimos.
— Essas pessoas, via de regra, têm grau de instrução menor, o que está diretamente associado à capacidade de endividamento. Se não houver educação financeira, vejo com bastante preocupação a possibilidade de aumento do superendividamento. O brasileiro, via de regra, não está preparado para medidas como essa — ressalta.
Ele critica o fato de a MP ter sido divulgada como uma grande conquista para os trabalhadores, sem o devido alerta sobre os riscos:
— Não veio na mesma proporção o alerta para os trabalhadores. A preocupação tem que ser com o bem social e com a saúde financeira, e não com o empréstimo. A pessoa endividada não consegue trabalhar direito, afeta suas relações sociais, vai dormir sabendo que está devendo.
Juro segue elevado
Mesmo com o modelo aprovado e operacional, o juro continua pressionando. Apesar de ter recuado de 3,94% em abril para 3,75% ao mês em maio, a taxa média do consignado CLT ainda está acima dos 3,09% registrados em março, quando a linha foi lançada. A diferença, aparentemente pequena, se amplia ao ano: na prática, a taxa anual salta de cerca de 40% para mais de 50%.
— Enquanto a Selic (taxa básica de juro da economia) seguir em patamar contracionista, como agora, haverá reflexo direto sobre as linhas de crédito. O juro do consignado para CLT caiu um pouco, mas ainda está longe dos 1,8% oferecidos a aposentados do INSS — afirma Rafael Disconzi Rodrigues, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS.
Segundo ele, há quatro grandes fatores que mantêm os juros do consignado CLT elevados:
- Selic alta, que ainda serve de base para o custo do dinheiro no país
- Inadimplência dos trabalhadores do setor privado, que obriga os bancos a aumentar os juros como forma de proteção
- Spread bancário elevado, especialmente fora dos grandes bancos
- Risco percebido maior no regime CLT, que tem mais rotatividade e menor estabilidade que o funcionalismo
Outras regras
O texto aprovado também inclui:
- Verificação biométrica e confirmação de identidade para assinatura dos contratos
- Penalidades para empregadores que não repassarem corretamente os valores descontados em folha
- Exigência de que a nova taxa, em caso de portabilidade, seja menor que a anterior
- Estímulo a ações de educação financeira para trabalhadores com carteira assinada
Cuidados ao contratar
— Antes de contratar, é fundamental comparar as propostas tanto na plataforma do governo quanto nos canais diretos dos bancos, simular cenários, avaliar prazos e garantir que o comprometimento da renda seja menor ou igual a 30% — orienta Disconzi.
Além disso, ele recomenda:
- Escolher apenas instituições autorizadas
- Desconfiar de links enviados por redes sociais ou aplicativos de mensagens
- Ler o contrato na íntegra
- Evitar contratar se não houver real necessidade, mantendo uma reserva de emergência sempre que possível
- Ficar atento à portabilidade: contratos antigos podem ser migrados para taxas menores, mas exigem atenção e conhecimento sobre o processo
— O acesso facilitado ao crédito pode aliviar o caixa no curto prazo, mas também pode incentivar uma dependência de dinheiro fácil e reduzir a capacidade de poupança de longo prazo do trabalhador — alerta o professor.
Para Hainzenreder, o acesso facilitado à crédito é positivo apenas quando acompanhado de planejamento.
— A medida, apesar de positiva, não deve ser examinada como medida sanadora. O ideal é não ter que fazer empréstimos. Havendo necessidade, essa alternativa se torna válida se o trabalhador buscar uma taxa atrativa — emenda.
Ele reforça que o trabalhador brasileiro tende a priorizar o gasto imediato em vez de se planejar para o médio prazo. Segundo o advogado, isso vale para empréstimos, mas também para o uso do 13º salário ou das férias.
— Muitas vezes, a pessoa já chega em dezembro com o 13º comprometido. A mesma coisa acontece com o recebimento de férias. O trabalhador brasileiro não é um trabalhador que se preocupa com o amanhã — lamenta.
Por fim, o professor recomenda que, em caso de contratação do crédito, o trabalhador faça uma planilha simples:
— Registre mês a mês o quanto da sua renda está comprometida com dívidas fixas. Isso ajuda a visualizar o quanto sobra para outras despesas e pode evitar o superendividamento.
Próximos passos
Com a sanção presidencial, o governo ainda terá que regulamentar os detalhes da operação com trabalhadores de aplicativo.
O sucesso da medida, segundo especialistas, vai depender de dois pilares principais: uma política monetária mais branda no médio prazo e o fortalecimento da educação financeira no país.
Fonte: GZH
Foto: Marcelo Casagrande / Agencia RBS
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