Biólogos podem aplicar procedimentos estéticos? Entenda a polêmica envolvendo diferentes categorias
Resolução do Conselho Federal de Biologia contestada por entidades médicas reacende debate sobre áreas de especialidade e segurança do paciente
Uma resolução do Conselho Federal de Biologia (CFBio) que autoriza a realização de procedimentos estéticos por biólogos habilitados em Biologia Estética é contestada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
Publicada no Diário Oficial da União no dia 7 de maio, a resolução nº 734/2025 inclui procedimentos como microagulhamento e aplicação de toxina botulínica, conhecida pelo nome comercial Botox (veja a lista abaixo).
Os biólogos habilitados também poderão prescrever nutrientes como vitaminas, minerais, aminoácidos, bioflavonóides, enzimas, peptídeos, lactobacilos e demais substâncias ativas para fins estéticos.
Como é a habilitação de biólogos
O Sistema CFBio/CRBios conta com cerca de 300 biólogos habilitados em Biologia Estética. A habilitação pode ocorrer por meio de graduação, pós-graduação lato sensu ou cursos livres, reconhecidos pelo Ministério da Educação. Os biólogos habilitados em Biologia Estética precisam estar regularizados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A atuação pode se dar de forma individual ou em equipes multidisciplinares de clínicas, centros, empresas, indústrias e instituições públicas ou privadas.
Os equipamentos e produtos necessários à execução do trabalho devem estar regularizados para fins estéticos na Anvisa e nos demais órgãos competentes.
Tecnologias que utilizam lasers, ultrassom, radiofrequência e intervenções cirúrgicas não entram na resolução.
Aplicação de toxina botulínica (Botox) é um dos procedimentos autorizados pelo Conselho Federal de Biologia.Neimar De Cesero / Agencia RBS
Para bióloga, críticas são "medo da concorrência"
A bióloga e integrante do Grupo de Trabalho da Biologia Estética do CFBio Francine Martins Pereira defende que cada conselho profissional deve supervisionar "apenas a sua área":
— Muito nos admira (o fato de receber contestações de entidades médicas), porque as disciplinas básicas da formação dos médicos, na maioria das vezes, são dadas por biólogos: anatomia, bases celulares, citologia, embriologia e fisiologia, por exemplo. Sou mestre em Fisiologia e doutora em Ciências Farmacêuticas e dou aula na Medicina há 18 anos.
Francine acrescenta:
— A classe médica, de certa forma, sente-se ameaçada pelos profissionais da saúde. Hoje, a maioria dos dermatologistas não está mais atuando só em patologia: está atuando em estética. Então, é muito mais reserva de mercado e medo da concorrência do que qualquer outra situação.
Para a bióloga, a resolução não infringe o Ato Médico, regulamentação que especifica atividades privativas dos médicos:
— Está muito claro no Ato Médico que "invasivo" é atingir orifícios e órgãos internos. E não estamos fazendo isso em hipótese alguma. "Invasivo" é diferente de "injetável".
O CFBio pretende elaborar um manual para detalhar os padrões para a habilitação dos profissionais no país.
Procedimentos autorizados pela norma
Veja procedimentos que podem ser realizados por biólogos habilitados em Biologia Estética segundo a resolução nº 734/2025 do CFBio:
- Análise de histórico, aconselhamento e orientação
- Estética facial e corporal
- Intradermoterapia (preenchedores dérmicos e bioestimuladores de colágeno)
- Mesoterapia/intradermoterapia (inclusive pressurizada)
- Microagulhamento
- Terapia celular e regenerativa
- Tricologia
- Toxina botulínica (Botox)
- Procedimento estético para microvasos (PEIM)
- Fios de polidioxanona (PDO)
- Ozonioterapia
Segurança dos pacientes
A conselheira Graziela Bonin afirma que o posicionamento contrário do Conselho Federal de Medicina se dá por uma "preocupação crescente em relação à segurança dos pacientes nos procedimentos estéticos invasivos":
— Várias profissões que não têm nem formação nem habilitação legal para exercer essas atividades vêm extrapolando as suas atribuições por decisões de conselhos profissionais, que são normas abaixo da lei e vêm colocando a população em risco.
A classe médica, de certa forma, sente-se ameaçada pelos profissionais da saúde. (...) Então, é muito mais uma reserva de mercado e medo da concorrência do que qualquer outra situação
FRANCINE MARTINS PEREIRA
Bióloga e integrante do Grupo de Trabalho da Biologia Estética do Conselho Federal de Biologia (CFBio)
Graziela critica o que considera uma "banalização de procedimentos invasivos" e afirma que a resolução do Conselho Federal de Biologia representa um "absurdo do ponto de vista tanto de legislação quanto de formação desses profissionais".
O CFM afirma que pretende levar a discussão ao Poder Judiciário. Graziela afirma:
— Se você olhar a Lei n° 6.684, de 1979 (que regulamenta as profissões de biólogo e de biomédico), nem a profissão de biólogo nem a de biomédico tem atribuição de atendimento direto ao paciente. E a execução de procedimentos invasivos é, por lei, privativa da medicina.
"Risco de sequelas para o resto da vida", diz médica
Sobre a interpretação do CFBio do conceito de "procedimentos invasivos", Graziela contesta:
— O que o CFM considera invasivo e está muito bem fundamentado no parecer 35/2016 (que trata de procedimentos invasivos na dermatologia) é que aplicação de toxina botulínica, preenchimento com ácido hialurônico, aplicação de laser, de ultrassom microfocado e luz intensa pulsada, entre outros, são, sim, invasivos porque causam lesões na derme. Peelings que afetam apenas a epiderme jamais foram contestados pelo CFM.
Procedimentos invasivos têm riscos de evoluir de forma insatisfatória que, por vezes, não são passíveis de solução. Nem tudo depois vai no médico e vai resolver. Então, a escolha do profissional errado pode trazer danos e sequelas para o resto da vida.
GRAZIELA BONIN
Conselheira federal do CFM
Para Graziela, o fato de um biólogo ter estudado anatomia não significa que esteja apto a realizar estes procedimentos estéticos em pacientes:
— A anatomia é uma parte mínima do conhecimento de que se precisa para indicar e executar procedimentos específicos de dermatologia e cirurgia plástica. Procedimentos invasivos têm riscos de evoluir de forma insatisfatória e que, por vezes, não é passível de solução. Nem tudo se resolve indo depois no médico. A escolha do profissional errado pode trazer danos e sequelas para o resto da vida.
Em 2020, uma norma semelhante já havia sido publicada pelo CFBio. Três anos depois, foi suspensa pela Justiça Federal após ação movida pelo CFM.
E quanto aos biomédicos?
O CFM também é contra a execução desses procedimentos estéticos por biomédicos.
Em nota, o Conselho Federal de Biomedicina (CFBM) afirma que editou resoluções e normativas "conforme o comando da lei 6.684/1979, para nortear a atuação do biomédico na área de estética, devendo somente o profissional biomédico devidamente inscrito e habilitado em Biomedicina Estética atuar dentro dos limites da regulamentação".
Segundo a entidade, "o profissional biomédico esteta realiza os procedimentos apenas com finalidade estética e não está autorizado a realizar o tratamento de patologias".
"Treinamentos não substituem formação médica", diz entidade
A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) afirma, também em nota, que a aplicação de substâncias injetáveis, como toxina botulínica e preenchedores dérmicos, "embora não envolva ato cirúrgico, é um procedimento médico com riscos potenciais relevantes", que "exige amplo conhecimento em anatomia, farmacologia, técnicas de aplicação, manejo de complicações e, sobretudo, julgamento clínico".
A entidade diz, ainda, que "treinamentos pontuais ou habilitações por cursos livres não substituem a formação médica completa, indispensável para garantir a segurança do paciente".
Fonte: Gaúcha ZH
Foto: Ricardo Wolffenbüttel / Agencia RBS
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