O que muda na prática com nova regra de funcionamento do comércio aos domingos e feriados
Medida altera o modelo atual e obriga a previsão em convenção coletiva de trabalho (CCT) para que diversas atividades comerciais possam operar nesses dias
A partir de 1º de julho, novas regras definidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) passarão a valer para o funcionamento do comércio aos domingos e feriados.
Com a entrada em vigor da Portaria nº 3.665/2023, será obrigatória a previsão em convenção coletiva de trabalho (CCT) para que diversas atividades comerciais possam operar nesses dias — com exceção das feiras livres, que permanecem liberadas.
A medida altera o modelo atual, estabelecido na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que permitia o funcionamento por meio de simples acordo individual entre empregador e empregado.
O que muda?
Embora o trabalho aos domingos e feriados não seja proibido pela legislação brasileira — a Lei nº 10.101/2000 já permite essa prática — a nova portaria revoga normas anteriores, como a Portaria nº 671/2021, e reforça a necessidade de negociação via convenção coletiva.
Segundo o advogado trabalhista Diego da Veiga Lima, a alteração representa um avanço no equilíbrio das relações de trabalho.
— Agora, essa negociação volta para a mão dos sindicatos, que, por meio de convenção ou acordos coletivos, vão negociar com o sindicato patronal ou com as empresas diretamente a possibilidade do trabalho em domingos e feriados. É uma forma mais benéfica para os trabalhadores — afirma.
A comerciante Luciane Simões de Couto percebe que a rotatividade nas vagas é alta.Camila Hermes / Agencia RBS
Rotina de trabalho
A rotina de trabalho aos sábados e, em alguns casos, até aos domingos e feriados, é um dos principais entraves para a contratação de mão de obra no setor varejista de Porto Alegre.
Luciane Simões do Couto, 54 anos, advogada e proprietária de uma loja no Pop Center, no Centro Histórico da Capital, relata que, embora o comércio ofereça oportunidades para jovens em busca do primeiro emprego, muitos não se adaptam à carga horária exigida e à rotina do setor.
— Quem procura uma vaga no comércio sabe que o forte do movimento é aos finais de semana. Mesmo assim, há resistência. Muitos desistem quando percebem que o sábado é um dia normal de expediente, ou que o ritmo de metas é mais exigente — comenta.
Segundo ela, mesmo com tentativas de flexibilização — como conceder folgas esporádicas durante a semana — a rotatividade entre os funcionários segue alta.
Impactos
De acordo com Flávio Obino, advogado trabalhista do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas Poa), a portaria não deve trazer impactos imediatos na capital gaúcha.
— O domingo é dia normal de trabalho por força de norma expressa contida na Lei 10.101/00. Como em Porto Alegre temos há muitos anos ajustes coletivos que autorizam o trabalho em feriados, não há maior implicação no setor — explica.
A mesma avaliação é feita por Lúcia Ladislava Witczak, advogada do Sindigêneros-RS, que representa o comércio varejista de gêneros alimentícios.
— A portaria não irá alterar as regras de trabalho aos domingos no setor supermercadista. O impacto será nas localidades em que não há convenção coletiva autorizando o trabalho em feriados. Nestes casos, será necessário negociar com os sindicatos dos trabalhadores — detalha.
Capitais x Interior: onde mora o impasse
Na visão de representantes patronais e de trabalhadores, o maior entrave ocorre fora das grandes capitais, especialmente em municípios pequenos e médios.
— Nos municípios em que não existir autorização, pode sim haver um desestímulo à instalação de novos supermercados ou até à permanência dos já existentes. A primeira análise que as empresas fazem ao escolher uma nova localidade é se há liberdade de funcionamento nos feriados — alerta Lúcia.
O presidente do Sindicato dos Comerciários de Porto Alegre (Sindec Poa), Nilton Neco Souza Silva, também aponta o problema:
— Negociamos com os empresários em liberar os feriados desde que remunerassem o domingo. Nas capitais está pacificado. O problema está no Interior. Tem sindicato que não negocia, não quer abrir mão do feriado. E isso prejudica quem está negociando nas capitais.
Segundo ele, sindicatos do Interior pressionaram o governo federal para revogar a portaria.
— A coisa estava pacífica, o governo se meteu e causou um problema. Conversei com pessoas em Brasília e, segundo elas, o ministro (do Trabalho, Luiz Marinho) se comprometeu a adiar de novo a portaria — afirma.
Setores afetados
A nova exigência afetará diretamente setores de funcionamento contínuo, como supermercados, açougues, comércios varejistas, restaurantes, entre outros. Mesmo que alguns deles sejam considerados essenciais, a exigência de negociação sindical agora volta a ser obrigatória.
Segundo Veiga Lima, isso poderá garantir melhores condições de trabalho.
— É inviável que um trabalhador, quando está sendo contratado, tenha como discutir uma cláusula contratual que impõe o trabalho nos domingos e feriados. Quando essa discussão volta para a mão dos sindicatos, ela se torna mais justa e equânime — ressalta.
Exceções continuam valendo
Conforme a Portaria nº 671/2021, que define os setores com autorização permanente, continuam permitidos de funcionar aos domingos sem necessidade de acordo coletivo os seguintes segmentos:
- Indústria de operação contínua
- Saúde (hospitais, clínicas, farmácias)
- Transportes (aéreo, marítimo, rodoviário, ferroviário)
- Comunicação (radiodifusão, telecomunicações)
- Agricultura e pecuária
- Serviços funerários
Ou seja, um supermercado ou uma cafeteria em shopping center, por exemplo, precisam de convenção coletiva para funcionar nesses dias. Já uma empresa de ônibus urbano ou uma emissora de rádio, não.
Judicialização
De acordo com Veiga Lima, há risco de judicialização em caso de desacordo entre os sindicatos nas negociações coletivas.
— Pode acontecer de os dois lados não concordarem. E aí essa discussão pode ser, sim, judicializada, levando a Justiça do Trabalho a decidir sobre aquela cláusula específica, por meio de dissídio coletivo — afirma.
Já o Sindilojas POA considera que o risco de conflito é mínimo na capital gaúcha.
— As convenções coletivas têm sido negociadas com naturalidade. O sindicato laboral defende os seus interesses e as entidades empresariais os de seus representados. O equilíbrio é a tônica dessas negociações — elucida Obino.
No entanto, a advogada do Sindigêneros-RS destaca que hoje há um conflito jurídico entre o que determina a Lei Federal nº 10.101/00 e a Portaria nº 671/2021.
— Enquanto a Lei condiciona o trabalho em feriados à convenção coletiva, a Portaria 671 autorizava o trabalho sem negociação. A nova regra encerra esse conflito. Mas nas cidades sem convenção vigente, haverá impacto: os supermercados não poderão abrir — ressalta.
Obino também defende mais segurança jurídica.
— Um avanço seria a autorização em lei para o trabalho em feriados, como já existe para os domingos. Do contrário, ficamos dependendo de interpretações e portarias — completa.
Nova regra traz insegurança jurídica?
Na visão do Sindilojas, a Portaria 3.665/2023 não gera impacto imediato, mas poderia causar insegurança jurídica caso os acordos coletivos não existissem.
— Caso não existissem os ajustes coletivos haveria um clima de insegurança jurídica, pois as decisões não são uniformes sobre a prevalência da lei ou da portaria. Um avanço em nome da segurança jurídica seria a autorização em lei para o trabalho em feriados no comércio, como hoje existe para o domingo — completa o advogado.
Houve diálogo com o setor empresarial?
Na avaliação de Obino, o governo federal não dialogou com o setor empresarial antes da publicação da norma.
— Com certeza não houve diálogo antes da publicação da norma, tanto que o governo suspendeu a sua vigência. Hoje a situação é diferente, pois tem havido discussões com centrais de trabalhadores e confederações empresariais. Mas ainda não houve consenso.
O presidente do Sindec Poa corrobora:
— O governo errou no passado. Incluiu farmácias e postos de gasolina, que já podiam abrir, como se fosse novidade. Agora teve que recuar e dialogar.
Conforme a advogada do Sindigêneros-RS, o diálogo passou a existir depois da publicação da portaria e, por isso, o início da vigência foi adiado várias vezes.
— E se não houver consenso até o fim de junho, pode ser adiada novamente — completa Lúcia.
A norma está ligada à escala 6x1?
Embora a portaria não trate diretamente da escala 6x1, que obriga um dia de descanso após seis de trabalho, ela está conectada ao debate sobre qualidade de vida e saúde no trabalho, segundo Veiga Lima.
— Essa portaria busca também criar um ambiente de trabalho mais saudável, menos oprimente, que permita ao trabalhador viver um pouco mais sua vida e estar com sua família em datas importantes — conclui.
Expectativa
Mesmo com a previsão de vigência para 1º de julho, o cenário ainda é de incerteza, segundo representantes do setor empresarial. Há chance de nova postergação da regra, caso as negociações em Brasília não avancem.
— É bem provável que o início de vigência seja novamente postergado — avalia Obino.
Fonte: Gaúcha ZH
Foto: Camila Hermes / Agencia RBS
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