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Parlamento da Itália começa a analisar mudança nas regras para cidadania italiana; entenda

  • Data: 13/Mai/2025

Decreto-lei está em vigor desde 28 de março, mas precisa ser aprovado até o fim de maio para não perder a validade.

O direito à cidadania italiana — motivo de orgulho e conexão com as raízes para milhões de brasileiros descendentes de imigrantes — está sob ameaça. A partir desta terça-feira (13), o Parlamento da Itália inicia a análise do decreto-lei que já está em vigor desde 28 de março, mas que precisa ser aprovado até o fim de maio para não perder a validade.

Apelidada de “Pacote Cidadania”, a proposta restringe significativamente as regras para o reconhecimento da nacionalidade italiana por direito de sangue, o ius sanguinis. O texto pode ser votado no Senado ainda esta semana, entre quarta (14) e quinta-feira (15), e seguirá, em seguida, para apreciação na Câmara dos Deputados.

Caso seja aprovada, a nova legislação limitará o reconhecimento da cidadania italiana apenas a filhos e netos de italianos nascidos no território da Itália. A mudança pode afetar diretamente milhões de brasileiros — especialmente no Rio Grande do Sul, onde cerca de 4 milhões de pessoas, o equivalente a 36,7% da população do Estado, são descendentes de italianos, segundo estimativa do Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre.

Para o professor de Direito Internacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), João Amorim, os impactos da proposta são graves.

— O Decreto-Lei 32 restringe o reconhecimento da cidadania italiana aos nascidos no estrangeiro apenas se tiverem ascendência até o segundo grau, ou seja, pais e avós nascidos na Itália. Isso representa uma ruptura com a legislação atual, que permite o reconhecimento até o terceiro grau, incluindo bisavós — explica.

O que está em jogo

Até março deste ano, qualquer pessoa que comprovasse descendência de um italiano nascido após 17 de março de 1861 poderia solicitar a cidadania, sem limite de gerações. Com o novo texto, a exigência se restringe a vínculos diretos com pais ou avós. Em determinados casos, o reconhecimento só será possível se um dos pais tiver residido na Itália por, pelo menos, dois anos antes do nascimento do filho.

O professor Amorim alerta ainda para outro ponto crítico do decreto: a retroatividade das novas regras.

— O texto estabelece que as alterações se aplicam inclusive a pessoas nascidas antes da aprovação da lei, o que constitui uma flagrante violação ao direito adquirido — afirma.

O que muda na prática?

Diante da incerteza, todos os consulados e a Embaixada da Itália no Brasil suspenderam a abertura de novos processos administrativos. Ainda não há previsão para retomada dos atendimentos ou esclarecimento sobre como se dará a adaptação à nova legislação, caso ela seja aprovada de forma definitiva.

Segundo Amorim, essa suspensão reflete uma orientação direta do governo italiano. 

— Os consulados são órgãos do Estado italiano e seguem determinações do Ministério das Relações Exteriores. Essa paralisação indica uma espera pela decisão definitiva do Parlamento — detalha.

Processo em andamento

Para quem já possui um processo em andamento — seja por via consular ou judicial —, o cenário ainda é incerto

— Se as disposições que violam o direito adquirido entrarem em vigor, essas pessoas também poderão ser impactadas. A insegurança jurídica se amplia nesse contexto — diz o professor.

Já quem apenas estava na fila de espera para entregar a documentação poderá ser diretamente prejudicado. As chamadas filas consulares foram extintas, e ainda não se sabe se essas pessoas poderão ser atendidas com base nas regras antigas ou se precisarão iniciar o processo do zero, sob os novos critérios.

O que diz o Consulado?

Em comunicado oficial, o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre destacou o crescimento exponencial no número de cidadãos italianos no Exterior: de 4,6 milhões em 2014 para 6,4 milhões em 2024 — um aumento de 40% em apenas uma década. No Brasil, o número de cidadanias reconhecidas passou de 14 mil em 2022 para 20 mil em 2024. Apenas no início de março, havia mais de 40 mil registros ativos no consulado gaúcho.

Nota do Consulado

"Em virtude de uma decisão do governo italiano, todos os agendamentos e procedimentos para reconhecimento de cidadania iure sanguinis, em qualquer etapa de tramitação, estão suspensos.

O Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre está avaliando os efeitos da medida e trabalhando na adequação do atendimento e organização de suas equipes diante das mudanças.

Entendemos os impactos que a notícia gera para os descendentes de italianos da nossa comunidade e garantimos que, tão logo seja possível e mais informações estejam disponíveis, iremos orientar todos os interessados."

O que fazer agora?

Para quem ainda deseja buscar o reconhecimento da cidadania italiana, Amorim reforça que o direito é adquirido no momento do nascimento, com base na legislação vigente.

— O direito à cidadania por ascendência até o terceiro grau está em vigor e, portanto, deve ser respeitado. A tentativa de aplicar a nova regra de forma retroativa viola direitos fundamentais. Quem tem o direito e deseja exercê-lo deve buscar esse reconhecimento — recomenda.

Quanto a possíveis alternativas para quem está fora do novo limite de gerações, o professor lembra que o artigo 4 da Lei 91, que prevê outras formas de aquisição da cidadania, ainda não foi revogado. 

— Entendo que quem reside legalmente na Itália e preenche os requisitos legais ainda pode buscar o reconhecimento por outros caminhos, como a residência por dois anos — ressalta.

Impacto

O professor acredita que, se aprovado, o decreto terá consequências significativas. Segundo ele, é provável que ocorra uma redução no número de processos consulares, mas também um aumento significativo nas ações judiciais contestando as novas regras.

Para Amorim, o Poder Judiciário italiano poderá ter um papel importante nas decisões futuras.

— Se reconhecerem a violação de direitos, o número de cidadanias concedidas por ordem judicial pode crescer, mesmo diante das novas restrições legais — conclui.

Fonte: Gaúcha ZH

Foto: Marcelo Casagrande / Agencia RBS

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