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O que é recuperação judicial e como o mecanismo contribui para livrar da falência empresas da Serra

  • Data: 28/Abr/2025

Decisões de gestão equivocadas ou eventos externos, como alta na taxa de juros, costumam justificar crises em negócios. Conheça as principais etapas da RJ

Imagine que você pudesse pausar suas contas para ganhar fôlego, quitar as dívidas essenciais e se reerguer financeiramente. De forma simplificada, é esse o conceito de recuperação judicial (RJ), um mecanismo legal de reestruturação e reorganização de empresas em crise — à beira da falência — que completa 20 anos.

Os empresários que optam pela RJ, em geral, têm dívidas com bancos. Mas há casos de débitos trabalhistas ou, ainda, salários em atraso. A legislação não abrange, entretanto, os CNPJs que descumpriram obrigações com o Estado, como impostos, um cenário que exige outra solução.

Decisões de gestão equivocadas, discussões societárias ou a passagem de uma geração para outra no comando de empresas familiares estão entre as justificativas para a adesão à RJ. Aliado a elas, chegam ao escritório da advogada caxiense Aline Ribeiro, especialista no tema, insolvências empresariais geradas a partir de eventos externos:  

— O Brasil tem, historicamente, uma economia instável, o que afeta as empresas. Inflação alta ou baixa, juros altos ou baixos, não temos uma conduta linear em termos de economia, fora a questão tributária. E, ainda, intempéries de tempo, como a pandemia e, depois, as enchentes. Para a empresa que já vinha com dificuldades é pior ainda. 

De acordo com Aline Ribeiro, que integra a Comissão Especial de Falências e Recuperação Judicial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), as dívidas estão relacionadas a diferentes aspectos, desde geração de caixas e empréstimos até grandes investimentos para compra de máquinas ou expansão fabril.

Hoje, ela atende em torno de 15 casos de RJ. Estima, ao todo, um passivo de R$ 5 bilhões entre clientes do comércio, indústria, agrícola e serviços. Conforme dados da Serasa Experian, 2.273 CNPJs recorreram ao Judiciário em todo o país para acessar ao mecanismo em 2024, ano de recorde histórico no número de pedidos de RJ.

Ninguém quer sua companhia em recuperação judicial, mas ela está à disposição caso necessário e propõe benefícios, defende a advogada:

— O empresário ganha um respiro com a RJ. É como se ele estivesse começando de novo: sem dívidas, mas sem dinheiro e sem crédito. O ônus é que ele é obrigado a cumprir tudo em dia, sob pena de falência.

O tempo em que a empresa fica em recuperação judicial varia conforme o porte do negócio e o cenário vivido. Pode levar cinco anos para resolução em casos menores, mas Aline Ribeiro conta que possui clientes com RJ ativa desde 2017.

O mecanismo é deferido pelo juiz, após o empresário ingressar com o pedido na Justiça, mas a RJ é concedida apenas na assembleia de credores, com a aprovação do plano de recuperação judicial, afirma a especialista:

— Ao final de dois anos, se a empresa está cumprindo todas as obrigações, a RJ é levantada, como tecnicamente falamos. E aí independentemente que ela tenha dez anos para pagar a dívida, já não estará mais em recuperação, não fica mais sob a espada da falência. As empresas geralmente ficam bem. O começo é difícil, o empresário demora para tomar a decisão. Mas, conforme vai passando, eu ouço dos clientes: "Por que eu não fiz antes a RJ?". 

Crescimento expressivo em meio a RJ

A Keko Acessórios, fundada em Caxias do Sul, supera a recuperação judicial com resultados acima dos planejados. Durante quase sete anos em RJ, deflagrada em setembro de 2018, a companhia cresceu 170% e projeta um faturamento de R$ 360 milhões em 2025 — 8% a mais que o último exercício. Hoje, assegura aproximadamente 500 empregos diretos.

A empresa familiar, que atua no mercado de personalização de picapes e veículos leves, divulga investimentos na ordem de R$ 30 milhões no biênio 2024/25 para ampliação da estrutura fabril e aquisição de novos equipamentos e tecnologias.

Para vencer a RJ e, mais do que isso, colocar a firma nos trilhos do desenvolvimento novamente, os proprietários citam como estratégias: horizontalização da gestão, enxugamento de projetos, reorganização mercadológica, planejamento financeiro e tributário e investimentos em inovação e em produtos com alto valor agregado.

Luís Henrique Bisol Ramon / Divulgação

Presidente executivo da Keko, Leandro Scheer Mantovani.Luís Henrique Bisol Ramon / Divulgação

— O primeiro ponto é admitir o seu novo tamanho, não tem como crescer com dificuldade financeira. Começamos a ajustar as contas, diminuímos a folha de forma natural, enxugamos projetos em desenvolvimento e fizemos uma gestão mais verticalizada. O time que "virou" a Keko é o que estava em 2018. No segundo ano, então, voltamos a incentivar a área de mercado e investir — contextualiza o presidente executivo da companhia, Leandro Scheer Mantovani.

A Keko recorreu à medida para renegociar dívidas que alcançavam R$ 75,5 milhões. Operacionalmente saudável e com crescimento médio de 20% ao ano, em 2009 a empresa iniciou um investimento que chegou a R$ 100 milhões em uma planta fabril modelo em Flores da Cunha — a atual sede.

O aporte acompanharia o crescimento do negócio, entretanto, o custo do endividamento saltou com o avanço da taxa Selic de 7,5% para 14,5% no período, aponta Mantovani. De 2015 a 2018, antes da RJ, a Keko tentou, mas sem sucesso, renegociações coletivas com bancos.

Luís Henrique Bisol Ramon / Divulgação

Fábrica da companhia em Flores da Cunha.Luís Henrique Bisol Ramon / Divulgação

Em 2018, a pressão na companhia era grande com a greve dos caminhoneiros. Sacramentou a crise uma redução de receita de R$ 20 milhões ocasionada pelo cancelamento de um projeto com uma montadora

— Esse fato culminou na decisão estratégica de entrar com a medida jurídica de recuperação — afirma o presidente executivo da Keko.

A marca é reconhecida em mais de 45 países nos cinco continentes e fornece para 12 montadoras.

Confira as principais etapas da recuperação judicial:

  • Ingressar com pedido na Justiça, descrevendo causas da crise e informando credores. 
  • Juiz defere o processo de RJ. 
  • Começam medidas a favor do empresário, como o stand-by de todas as dívidas, por 180 dias (seis meses), no mínimo. Processos judiciais são suspensos. 
  • Inicia a elaboração do plano de recuperação judicial, com discussões entre o empresário, consultorias especializadas, credores e advogados. A Justiça fiscaliza. O plano precisa ser entregue em 60 dias após o deferimento, segundo a advogada Aline Ribeiro. É esse documento que vai definir, entre outras medidas, em quanto tempo será paga a dívida. 
  • Ocorre a assembleia de credores para aprovar ou rejeitar o plano de recuperação judicial. 
  • Inicia o cumprimento do plano e pagamento da dívida. 
  • Em dois anos, há a possibilidade da RJ ser levantada e a empresa ser livrada da falência. A dívida, contudo, continua sendo paga.

* O administrador judicial (AJ) é um profissional de confiança do juiz, nomeado para fiscalizar o processo. É a autoridade máxima na assembleia de credores.

* Despesas do processo de recuperação judicial ficam por conta da empresa. Entre outros gastos, existem os custos judiciais, a remuneração do AJ e honorários de advogados e assessorias.

Fonte: Pioneiro

Foto: Neimar De Cesero / Agencia RBS

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