Começar esportes na infância pode melhorar cognição e saúde mental
Atividades físicas iniciadas desde cedo proporcionam inúmeros benefícios, que envolve. Por outro lado, famílias também precisam observar alguns cuidados
Gabriel Medina começou a surfar aos oito anos, em uma paixão alimentada pelo padrasto. Já o skate recebido por Rayssa Leal, em seu sexto aniversário, incentivou o ingresso na modalidade. O caso de Rebeca Andrade é ainda mais precoce. Aos quatro anos, ela entrou para um projeto social de ginástica artística.
Em comum, a prática esportiva na infância. Porém, não do jeito que eles conhecem hoje – com alto rendimento e uma grande carga de treinamento. Em muitos exemplos de grandes nomes destes Jogos Olímpicos, a prática de atividades físicas teve uma introdução despretensiosa na vida dos atletas.
E, para as crianças, é justamente isso o que especialistas recomendam. A introdução dos esportes, desde que tratados como algo divertido, prazeroso e cheio de benefícios.
A prática de esportes logo cedo reflete em uma fase adulta mais saudável, autônoma e equilibrada. Além da prevenção de doenças, as atividades contribuem para o desenvolvimento cognitivo e a interação social.
Em tempos de Jogos Olímpicos, que se encerram oficialmente neste final de semana, entram em cena as histórias de luta e superação, mas também os exemplos de que, mesmo para os melhores profissionais desportistas do mundo, a prática das modalidades pode ter começado de forma simples e natural. Divertida e prazerosa.
E é assim que deve ser. Para o presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS), José Paulo Ferreira, “o exercício físico é o grande equilíbrio da criança.” Da mesma forma em que traz harmonia de corpo e mente, os esportes devem ser praticados com essa filosofia pelos pequenos – ou seja, de forma balanceada.
Segundo Ferreira, a indicação é de cem a 150 minutos de atividade física intensa para a criança na semana, o que pode ser traduzido em meia hora, repetida cinco dias por semana. Outra possibilidade é o dobro de tempo, mas com exercícios moderados, como caminhadas ou pedaladas.
— A primeira coisa que temos que entender é que se perdeu muito da normalidade das crianças ativas no momento em que se começou a ter uma vida mais sedentária. A criança que chega em casa e brinca, pula corda, corre, é um ser humano móvel. E isso traz benefícios como na capacidade motora, mobilidade, equilíbrio, reflexos. São várias vantagens — detalha o presidente da SBPRS.
Outros pontos positivos, de acordo com o especialista, estão ligados à propriocepção, isto é, à consciência corporal, além da prevenção de doenças cardiovasculares, como obesidade, pressão alta e diabetes tipo 2, chance de convívio com o meio ambiente e controle de apetite, desenvolvimento de ossos e músculos.
O professor do curso de Educação Física da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Rodrigo Sartori aponta que são três pontos os mais importantes da realização de atividades físicas na infância, a começar pela neurociência do comportamento motor.
— Existem efeitos da prática de esportes no âmbito da cognição, em uma interação com as questões motoras, já que o nosso cérebro funciona de forma integrada. Quando se coloca crianças para aprenderem determinados movimentos no esporte, potencializa-se também as funções cognitivas delas, o que está relacionado a aprender bem na escola — descreve.
Outro ganho com os exercícios está ligado às relações sociais, conforme Sartori. O especialista destaca que há evidências que traçam relação direta entre os esportes e as amizades geradas na infância. Por fim, o último e terceiro ponto é de um benefício a longo prazo.
— Aprender um esporte na infância está diretamente conectado a um aumento da prática na vida adulta. A criança que tem um melhor nível de habilidade motora será um adulto mais ativo — comenta, em contraponto ao sedentarismo que pode levar 500 milhões de pessoas a desenvolverem doenças até 2030, como alerta relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Atividades físicas regulares auxiliam na sensação de bem-estar.Mikkel Bigandt / stock.adobe.com
Faz bem não só para o corpo, mas também para a mente
Do ponto de vista da saúde mental, o coordenador do curso de Medicina da Universidade Feevale, psiquiatra Pedro Lombardi Beria aponta que a relação esportiva proporciona alterações cerebrais benéficas.
— A prática de exercício físico promove aumento da disponibilidade de fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), e ele aumenta principalmente a neuroplasticidade. Isso está associado com a capacidade de aprendizado, resiliência emocional, formação de novas memórias e desempenho de raciocínio — explica.
Além disso, Beria ressalta que as atividades regulares aceleram a conversão de triptofano em serotonina, o que aumenta a disponibilidade da própria serotonina e de dopamina, substâncias conhecidas como os hormônios da felicidade. Nesse processo, auxiliam na sensação de bem-estar.
— São um grande fator preventivo para o desenvolvimento de transtornos depressivos e ansiosos, reduzindo sintomas de diferentes condições, como déficit de atenção, hiperatividade, depressão e ansiedade. A prática pode ser prevenção e tratamento, até para as crianças e adolescentes — pontua.
Mas, além de tudo isso, o coordenador do curso de Medicina da Universidade Feevale ainda lembra que há diversas questões associadas ao próprio desempenho dos esportes:
— Como o exercício de resiliência emocional, aprender a lidar com a frustração, com as responsabilidades, trabalhar em equipe, desenvolver a liderança e buscar metas. Todo esse tipo de desenvolvimento de pensamentos e emoções acaba estruturando muito da nossa personalidade e aprendizado da relação social, o que é bastante benéfico para a vida e pode ser aproveitado em outras áreas — complementa.
José Paulo Ferreira, presidente da SPRS, concorda que os benefícios adquiridos com o hábito esportivo nos primeiros anos de vida perduram com o decorrer do tempo.
— Desde a questão da autoestima, em que a criança se sente mais móvel, ágil, pertencente, até os benefícios que mudam questões de longo prazo, como as endorfinas, trazendo sensação de prazer e satisfação para a criança. Também auxilia nos desafios da vida, quando é estimulada a participar de provas, há a questão da confiança e de se tornar mais autônoma.
É benéfico, mas também deve ser divertido, leve e livre
Segundo o presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS), a atividade também tem o papel de permitir que a criança explore e crie, não se tornando um sacrifício, algo que seja feito de mau humor.
— É para ser lúdico, divertido, livro. No momento em que se tem uma agenda muito rígida, a criança só vai seguindo as tarefas, deixa-se de ter a exploração, o ócio, o tédio. O ideal é que ela escolha uma atividade que goste e que seja fatível. Um esqui na neve, por exemplo, não teria como (brinca). Tem que criar uma situação positiva, que traga segurança, caiba no bolso dos pais e que se encontre o equilíbrio — argumenta Ferreira.
Beria concorda que a brincadeira lúdica acaba fazendo com que o exercício físico fique mais atrativo. Porém, lembra que durante a pré-adolescência e adolescência, entre 11 a 18 anos, é possível acrescentar maior grau de responsabilidade.
— De acordo com a idade. Pois as responsabilidades, metas, estruturação de objetivos específicos são grandes estruturadores de personalidade. É bom nesse período, para que se habituem à vida adulta — diz.
Outro destaque feito por Sartori é o cuidado com a especialização esportiva precoce. A expressão representa a transformação do contexto de aprendizagem em perspectiva de alto rendimento. Com a sobrecarga de atividade, pode ocorrer a desistência da criança.
Esportes diferentes, resultados igualmente distintos
Os especialistas lembram que cada esporte possui um padrão de movimento diferente. E diferentes experiências da criança levam a novos estímulos sociais e cognitivos. Daí a importância da experimentação. Com isso, também há ganho de repertório motor.
— Há um estudo interessante que fala que o perfil de engajamento depende muito da característica da criança. Há esportes imprevisíveis, como o futebol e basquete, com jogos sempre vivos, em que cada ação depende de uma nova decisão. E há outros mais previsíveis, como natação, ginástica, em que se tem mais controle dentro daquele contexto — afirma Sartori.
Esses pontos também estão relacionados com a questão de concentração. Quando a criança precisa melhorar o nível de atenção, pode encontrar benefícios em um esporte mais previsível. Já com múltiplos estímulos, torna-se mais difícil manter o foco.
Segundo o educador, os próprios professores podem recomendar diferentes formas de práticas, para as melhores estratégias de cada criança. A diferença entre as atividades coletivas e individuais traz reflexos diferenciados para os praticantes, como aponta o psiquiatra Pedro Lombardi Beria.
— Os individuais têm características específicas de responsabilidade perante o esporte. É o atleta que vai ser responsável por suas decisões, terá que lidar muito com pensamentos e ter a capacidade de tolerar frustrações, superar adversidades. Já os coletivos estão muito ligados ao desenvolvimento de amizades, de vínculos que podem perdurar a vida toda. É preciso trabalhar em equipe e buscar o que cada um pode trazer de melhor para o sucesso do grupo — analisa.
Especialistas deixam dicas para as famílias
O presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS) indica que a melhor forma de colocar esportes como ações regulares no dia a dia está relacionada com a praticidade.
— É muito difícil alterar um padrão sedentário de uma hora para outra. A dica é começar devagarinho. Colocar atividades na rotina e se dar conta que o estímulo e exemplo dependem dos pais. A família mora no terceiro andar de um prédio? Então pode subir de escadas uma vez por dia. Vai caminhando até a padaria? Convida o filho para ir junto. São alternativas para a criança começar a se mexer. E nenhuma delas tem custo — exemplifica.
Para o professor Rodrigo Sartori, o círculo de pares da criança é importante em um contexto de prática de esportes. Ou seja, ter amigos e vizinhos que façam exercícios regularmente auxilia no engajamento e aumenta as chances da reprodução.
Por fim, o coordenador do curso de Medicina da Universidade Feevale diz que uma das melhores chances de sucesso na prática de exercícios físicos está associada com as atividades escolares, que possibilita a manutenção de uma rotina acerca de um esporte ou modalidade específica.
Esportes também proporcionam a formação de vínculos e amizades duradouros.sunnybright / stock.adobe.com
Inscrições abertas para o programa Saber, da PUCRS
Com atividades motoras diversas para crianças de 6 a 11 anos, estão abertas as inscrições para o Programa Saber, da PUCRS. A participação é gratuita, e o projeto conta com duas opções de horário, em duas aulas semanais. A primeira turma é disponibilizada na parte da manhã, em terças e quintas, das 10h às 11h. Para quem tiver disponibilidade no turno da noite, o programa ocorre nas segundas e quartas, das 19h30 às 20h30. Além da inscrição online, o contato pode ser feito pelo telefone (51) 3320-3727.
Benefícios da prática de esportes na infância
- Crescimento e desenvolvimento saudáveis
- Auxilia no controle do peso adequado e na diminuição do risco de obesidade
- Melhora a qualidade do sono
- Auxilia na coordenação motora
- Melhora as funções cognitivas e a prontidão para o aprendizado
- Ajuda na integração e no desenvolvimento de habilidades psicológicas e sociais
- Contribui para o crescimento saudável de músculos e ossos
- Melhora a saúde do coração e a condição física
- Crianças que são fisicamente ativas tendem a manter a prática de atividade física ao longo da vida
- Promove o desenvolvimento humano e bem-estar, ajudando a desfrutar de uma vida plena com melhor qualidade
- Melhora as habilidades de socialização
- Melhora o humor e reduz a sensação de estresse e os sintomas de ansiedade e de depressão
- Ajuda na adoção de uma vida saudável, como melhora da sua alimentação e diminuição do seu tempo em comportamento sedentário (como tempo em frente ao celular, computador, tablet, videogame e televisão)
Fontes: Ministério da Saúde / Gaúcha ZH
Foto: Виктор Осипенко / stock.adobe.com
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