Especialistas explicam por que as mudanças climáticas agravam a transmissão da dengue
Chuva volumosa e elevação da temperatura pioram o cenário por contribuírem com a fisiologia do mosquito transmissor da doença
O aumento de casos confirmados de dengue no Rio Grande do Sul, entre 2023 e 2024, é exponencial: nos primeiros 22 dias deste ano, são 721 pessoas infectadas, contra 63 no mesmo período do ano passado (uma elevação de 1.044%). As mudanças climáticas estão entre os fatores elencados pela Secretaria Estadual da Saúde (SES) para a elevação nos índices. GZH conversou com especialistas para explicar como se dá esta relação.
Eventos climáticos extremos como os ocorridos na semana passada, que atingiram boa parte do Estado e estão no contexto do fenômeno El Niño, aumentam o risco de contaminações pela doença. É o que o biólogo e pesquisador do Departamento de Genética das Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Joel Ellwanger, chama de “tempestade perfeita” para a proliferação do mosquito transmissor, o Aedes aegypti.
— É a combinação das chuva intensa, que criam reservatórios artificiais de água, e temperatura elevada, que aceleram o desenvolvimento de todas as fases do mosquito. O adulto deposita o ovo em um recipiente com água, a larva eclode, vem a fase da pupa (estágio intermediário) e, depois, o inseto alado.
Ellwanger lembra que períodos de temperatura mais amena diminuem a possibilidade de proliferação do mosquito, mas não descarta a presença do transmissor da dengue mesmo depois do fim do El Niño, previsto para abril deste ano.
— Estes insetos estão extremamente adaptados ao ambiente urbano então, mesmo que se observe uma diminuição nas populações do mosquito e, por consequência, dos casos da doença, não é esperado que sumam das cidades. Eles podem se proliferar também em temperatura mais amena — explica o biólogo.
A bióloga molecular e professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Ana Gorini da Veiga, acrescenta que situações de seca também contribuem com o ciclo de vida do mosquito:
— Há regiões em que falta água e as pessoas precisam armazenar, seja da chuva ou distribuída por caminhões-pipa. Então, esses contêineres, reservatórios ou cisternas também podem servir para criação e desenvolvimento das larvas do mosquito.
Ana cita, ainda, o aquecimento global como outro fator que pode contribuir para o aumento de casos de dengue.
— Em função do aumento da emissão de gás carbônico na atmosfera, alguns locais atraem os mosquitos, que percebem a presença dos humanos, percebem que há sangue quente no qual podem se alimentar. Outro caso é desmatamento, que reduz a biodiversidade, leva a um desequilíbrio ambiental. Quando outros possíveis hospedeiros dos mosquitos, como micro-organismos, fungos, plantas e animais somem ou morrem, o humano fica sem “rivais” e se torna o único possível — detalha a professora.
Chefe do Serviço de Infectologia e Controle de Infecção do Hospital Moinhos de Vento, Alexandre Zavascki, corrobora com os biólogos sobre o favorecimento que as mudanças climáticas, principalmente chuva e calor, provocam para a multiplicação do vetor da doença.
— É bom lembrar que não são doenças transmissíveis entre os seres humanos. É (pela) picada do mosquito fêmea, mas também pode ocorrer a transmissão transovariana, em que a fêmea infectada transmite o vírus para os ovos — informou o infectologista.
Segundo Zavascki, o número de casos de dengue traz consigo a possibilidade de ocorrências de situações mais graves da doença:
— Nos meses e anos seguintes ao aumento de contaminações, são esperados mais casos de dengue hemorrágica, aquela que pode matar. São quatro tipos de dengue, no RS tivemos o 1 e o 2. E, São Paulo, teve o 3 e o Rio de Janeiro teve o 4, que só havia na região Norte. O principal fator de risco para uma dengue grave é uma pessoa ter contraído um tipo diferente anteriormente — alerta. Não há registro de morte por dengue no RS em 2024.
A médica da Sociedade Gaúcha de Infectologia, Rafaela Mafaciolli, lembra que a dengue tem quatro sorotipos, DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4:
— Os sorotipos 2 e 3 são considerados os mais virulentos. Ao apresentar os sintomas é importante procurar atendimento e serviço de saúde, para ter o diagnóstico e receber os cuidados, tratamento e orientações adequados.
Principais sinais e sintomas da dengue:
- Febre alta ( acima de 38°) - normalmente é a primeira manifestação, e de início abrupto (tem duração entre dois e sete dias)
- Dor muscular intensa
- Dor de cabeça
- Dor “atrás” dos olhos
- Mal-estar
- Falta de apetite
- Manchas vermelhas pelo corpo
O que pode ser feito
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) prevê que o El Niño vai persistir até março de 2024, perdendo força já em fevereiro. Com a frequência de eventos climáticos extremos, o biólogo Joel Ellwanger diz que as pessoas podem agir de forma individual e coletiva para se precaver contra a possibilidade de dengue.
— A gente pode tentar se adaptar, ou seja, ficar mais atento às medidas de precaução, removendo a água parada no seu pátio ou na rua. Em nível coletivo, a população pode se organizar para fiscalizar decisões políticas e de órgãos ambientais. Tanto para formulação de leis quanto de políticas públicas ambientais. É a forma de combater as mudanças climáticas de forma estrutural — diz o pesquisador.
Redução o desmatamento no Brasil e a preservação do bioma Pampa no RS estão, segundo Ellwanger, as prioridades para que o cenário mude:
— O Pampa no RS está perdendo a vegetação de monoculturas como arroz e soja. A população gaúcha precisa estar mais atenta aos políticos que estão ou não comprometidos com questões ambientais no Estado.
A curto prazo, a bióloga Ana Veiga sugere a utilização de mosquiteiros ou telas nas janelas e repelentes para afastar os insetos transmissores.
— É bom cobrir as pernas porque o mosquito não voa muito alto e a fêmea, que é quem transmite a doença, costuma se alimentar durante o dia. E evitar a água parada em piscinas, vasos, lixo e recipientes expostos à água da chuva — lembra Ana.
Vacina já chegou
Neste final de semana, chegou ao Brasil a primeira remessa da vacina contra dengue que será disponibilizada pelo SUS. Inicialmente os imunizantes serão destinados a regiões de saúde com municípios de grande porte com alta transmissão nos últimos 10 anos e população residente igual ou maior a 100 mil habitantes, levando também em conta altas taxas nos últimos meses.
O público-alvo, em 2024, serão crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, faixa etária que concentra o maior número de hospitalização por dengue depois de pessoas idosas – grupo para o qual a vacina não foi liberada pela Anvisa. O esquema vacinal é composto por duas doses com intervalo de três meses entre elas.
No entanto, a lista dos municípios e a estratégia de vacinação serão informadas pelo Ministério da Saúde nos próximos dias. A previsão é que as primeiras doses sejam aplicadas em fevereiro.
Fonte: GZH
Foto: Raquel Portugal / Fiocruz Imagens
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